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Qual o papel do BCE nas alterações climáticas?

No mês passado, o Parlamento Europeu aplaudiu o plano de ação do Banco Central Europeu para combater as alterações climáticas. A urgência em salvar o planeta diz que todas as ajudas contam. Estarão os políticos a sacudir a água do seu capote?

04 de Março de 2022 às 11:00
Sob a presidência de Christine Lagarde, o BCE tenta também dar um contributo no combate às alterações climáticas.
Sob a presidência de Christine Lagarde, o BCE tenta também dar um contributo no combate às alterações climáticas. Wolfgang Rattay/Reuters
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É uma imagem de marca da liderança de Christine Lagarde à frente do Banco Central Europeu (BCE) e os eurodeputados acabaram de aprovar uma resolução a aplaudir e pedir urgência: é preciso enfrentar as alterações climáticas. O tempo de agir é agora – dizem todos. Mas na prática, o que podem os bancos centrais fazer para salvar o planeta? Até onde é legítimo levar o mandato da política monetária?

Em causa está a legitimidade, e a utilidade, de o BCE fazer política monetária com os objetivos da transição climática em mente. Esta é uma linha de ação que é defendida pelo banco como o último passo do seu roadmap – que acabou de ser aplaudido pelo Parlamento Europeu, numa resolução aprovada a 16 de fevereiro – para enfrentar as alterações climáticas.

Num primeiro momento, o BCE propõe-se a melhorar a informação sobre a exposição do sistema financeiro aos riscos climáticos e a corrigir a sua própria carteira de ativos em concordância – é uma atitude fundamentalmente reativa.

Mas no final da linha estão medidas proativas, nomeadamente, fazer depender a avaliação das garantias dadas como colateral da avaliação de risco climático, e privilegiar a compra de ativos verdes, em desfavor dos títulos mais poluentes. Faz sentido que o BCE ocupe o palco da transição verde?

Quem está sob os holofotes

“Acho que os bancos centrais têm apenas um pequeno papel a desempenhar”, diz Andrew Kenningham, economista-chefe da consultora Capital Economics, para a Europa. “Todas as decisões importantes precisam de ser tomadas pelos governos”, frisa, apontando algumas: os impostos sobre o carbono, a proibição de tecnologias poluentes, os subsídios a redes de carregamento para carros elétricos, etc.

Mais: “Há o risco de, ao evidenciar a sua própria importância na política climática, tirarem a pressão sobre os políticos”, defende. “É obviamente mais fácil para organizações tecnocratas, como os bancos centrais, dizerem que estão a fazer o que é certo, do que para os políticos fazerem efetivamente o que está correto”, soma.

William de Vijlder, economista-chefe do grupo BNP Paribas, discorda que a intervenção dos bancos centrais no tema da transição climática retire a pressão dos políticos. Na medida em que o apelo ao investimento verde aumenta a procura, pode até dar argumentos para um aperto das condições financeiras, pelo que “pressionar para a transição climática não é uma forma de tirar pressão aos governos”, defende.

Mas reconhece que se pode colocar um problema de legitimidade. “Uma questão que gera preocupação é a do alargamento do mandato, a extensão gradual do número de áreas em que é suposto os bancos centrais intervirem”, explica. “Se intervêm nestas questões, porque não são chamados a intervir de forma mais direta noutros temas, como a desigualdade, ou o crescimento inclusivo, por exemplo?”, questiona.

Cinco economistas do Banco de Portugal – Bernardino Adão, António Antunes, Miguel Gouveia, Nuno Lourenço e João Valle e Azevedo – deixam passar esta mesma preocupação no estudo “Alterações climáticas e economia: uma introdução”, publicado em janeiro.

“A atribuição de responsabilidades verdes à política monetária, num contexto em que a sua eficácia é limitada, pode resultar numa ameaça à independência dos bancos centrais”, lê-se. “A reivindicação de um papel ativo na resposta às alterações climáticas pode traduzir-se em custos de reputação elevados, comprometendo a ação do banco central no futuro”, avisam, acrescentando que “a independência de um banco central é concedida sob a condição de que este opera sob uma esfera limitada de competências.”

Excluindo as vantagens da sua ação como educadores e investigadores, reconhecidas de forma generalizada, colocam-se também dúvidas quanto à eficácia de medidas proativas. “Não estou convencido de que essas políticas sejam muito sensatas”, assume Kenningham. “Se o BCE decidir não comprar títulos de empresas de energias poluentes, ou de indústria pesada, estas podem simplesmente ir buscar financiamento a outro lado qualquer”, explica. “A chave é mudar os preços relativos entre os produtores, através de impostos ou de alterações regulatórias”, argumenta, “isso não é algo que os bancos centrais possam fazer”, reforça.

William De Vijlder reconhece um papel para os bancos centrais ao nível da supervisão, sobretudo no que diz respeito à avaliação dos riscos. Mas mesmo nesse capítulo admite que o efeito é curto: “O impacto desta ação seria muito gradual, por isso é necessário pressionar para a transição energética de outras formas.”

As forças ocultas do clima

Mas dizer que há dúvidas sobre até onde os bancos centrais podem ir não implica dizer que não podem agir. Até porque os economistas têm vindo a demonstrar que há impactos das alterações climáticas tanto na taxa de inflação como nas taxas de juro – o que abre as portas à intervenção dos bancos centrais.

Uma investigação do Banco Central da Dinamarca demonstra, por exemplo, que as empresas verdes conseguem financiar-se a preços mais baixos e veem os seus ativos valorizados. Outro artigo, publicado no VoxEU mostra como a comunicação dos bancos centrais interfere com as expectativas dos consumidores sobre as alterações climáticas. E como este sentimento, por sua vez, reduz a taxa de juro natural. Não ajustar a política monetária a estes impactos será “mau para a economia” – asseguram os autores do estudo, em entrevista ao Negócios.


Argumentos pró e contra a política monetária verde O BCE está apostado em contribuir para o combate às alterações climáticas. Desenhou um roadmap e no fim da linha está uma atitude proativa de introduzir conceitos verdes na política monetária. Esta decisão é questionável – aqui ficam argumentos pró e contra.
alterações climáticas pesam na inflação
O risco climático tem impacto nos preços e o primeiro mandato do BCE é a estabilidade de preços. Por isso, tem de agir sobre as alterações climáticas.

preço dos ativos depende do risco climático
A transição verde interfere com o preço dos ativos na carteira do BCE, pelo que faz sentido que se proteja de uma excessiva acumulação deste risco.

há o mandato secundário
O mandato secundário do BCE é apoiar as políticas gerais da União sem comprometer com isso a estabilidade de preços. Ou seja, perante duas opções de política com o mesmo impacto na estabilidade de preços, deve escolher a que melhor contribui para as prioridades da UE.



não há mandato para política industrial
Os bancos centrais não têm mandato para desempenhar política industrial, ou seja, de incentivo a determinados setores em detrimento de outros. Desempenhá-la é ainda mais grave quando se sabe que terá fortes efeitos redistributivos.

Onde termina o mandato?
Se os bancos centrais se envolvem na política de transição climática, com o argumento de que devem contribuir para a sustentabilidade, porque não se envolvem noutras políticas, como por exemplo de equidade ou justiça social? Onde termina o seu mandato?

riscos de distorção dos mercados
Há economistas que argumentam que os ativos verdes são escassos e que, por isso, uma política monetária verde pode distorcer os mercados.

A questão do nome: o que é um ativo verde?
É um problema de taxonomia: como, e com que autoridade, um banco central define que um ativo é verde?

 

Stress Test

 

Quão exposta está a banca? O Banco Central Europeu (BCE) já lançou o seu teste de stress à banca para avaliar quão preparada está para lidar com os riscos das alterações climáticas. Os primeiros resultados serão revelados em julho e há a garantia de que este exercício não terá consequências para o capital dos bancos – ou seja, mesmo que pontuem mal, a banca não será chamada a reforçar os seus capitais. O objetivo será antes “identificar vulnerabilidades, boas práticas e desafios enfrentados”, explica o BCE. Entretanto, o Banco de Portugal (BdP) já investigou qual é a exposição da banca nacional a empresas com risco climático. “Os resultados sugerem que cerca de 60% das exposições dos bancos a sociedades não financeiras se encontra em setores relevantes para a política climática”, concluiu um estudo de Ricardo Marques e Ana Margarida Carvalho, dois economistas do BdP, publicado em junho de 2021. Estas empresas são sobretudo da construção, transação e exploração de imóveis e, em menor medida, produção e utilização de meios de transporte e as indústrias intensivas em energia.

 



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