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Portugal tem de se adaptar ao envelhecimento “inevitável” da população

O envelhecimento demográfico é uma tendência transversal ao mundo e exige adaptações estruturais. A imigração é a reposta mais rápida para equilibrar a balança, mas também é preciso investir na natalidade e integrar os mais velhos.

12 de Dezembro de 2023 às 15:30
Lara Patrício Tavares, Maria João Moreira e Adalberto Campos Fernandes debateram o “inverno demográfico”. Pedro Catarino
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O número de crianças e jovens em Portugal diminuiu para metade em 50 anos. Antes representavam 25% da população e agora representam 12,8%, ou seja, existem em Portugal atualmente 1,3 milhões de crianças e jovens. Segundo os últimos dados do PORDATA, esta tendência vai acentuar-se e as crianças e jovens vão reduzir em número para um milhão em 2080. Este foi o mote para o debate "Como combater o inverno demográfico em Portugal?", no âmbito da conferência "Habitação e Envelhecimento, os desafios de Portugal", organizada recentemente pelo Negócios.





Lara Patrício Tavares, professora no ISCSP - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, começou por destacar que "o envelhecimento é uma tendência inevitável e nessa medida não pode ser combatido". Tal como as migrações e outras tendências demográficas, "temos é de nos adaptar", acrescentou. Por isso, "devemos centrar as nossas atenções e os nossos recursos a adaptar-nos às sociedades que são cada vez mais envelhecidas".



Portugal é o segundo país mais envelhecido da União Europeia e o quinto a nível mundial. Este envelhecimento acontece porque há menos nascimentos no país, porque há um aumento da esperança média de vida e também porque muitos jovens portugueses estão a emigrar e a ter os filhos noutros países. Porém, segundo Lara Patrício Tavares, "a causa principal é a baixa fecundidade".



Com este quadro de transição demográfica a nível global, Maria João Guardado Moreira, professora coordenadora no Instituto Politécnico de Castelo Branco, salientou que "é preciso olhar o envelhecimento como desenvolvimento".



Portugal e outros países da Europa têm atualmente sociedades envelhecidas, mas "Portugal especificamente pensa que ainda está nos Anos 60", ou seja, "continuamos a pensar a nossa sociedade como se tivéssemos uma estrutura etária jovem e isso leva a que, quer as políticas, quer a organização da sociedade ainda pense muito num ciclo de vida com três fases: a idade em que se prepara para o mercado, a idade ativa e depois envelhece-se e morre-se".



Como explicou, "nós já não temos isso". Ou seja, em 2021 quem atingiu os 65 anos de idade tinha mais 20 anos de esperança de vida. "Isso significa que temos de nos adaptar a uma sociedade mais longeva, com características completamente diferentes e com perfis de população envelhecida também muito diferentes do que era há 60 anos e diferentes entre si", referiu Maria João Moreira, sublinhando que é diferente o envelhecimento consoante se é homem, mulher, com escolaridade ou não, vivendo em centros urbanos ou em zonas rurais. Neste sentido, "temos que pensar numa sociedade com um perfil etário completamente diferente, sendo necessário encontrar políticas e soluções para esses perfis".



Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde e professor na Escola Nacional de Saúde Pública, destacou que o problema não é novo. "Nós estamos a olhar para isto há 30 anos, para uma evolução demográfica que era previsível". Salientou que não foi só Portugal que "ficou estático", mas também a Europa, que "tem abordado a transição climática e a transição energética e esqueceu-se da transição demográfica". Adalberto Campos Fernandes sublinhou ainda que Portugal é um país de reduzida escala, localizado na periferia da Europa, com parcos recursos, pelo que a capacidade de compensar e lidar com esta questão não é a mesma de países como França ou Alemanha.



"Se nada for feito, em 2060, Portugal terá pouco mais de 8,6 milhões de habitantes, em que 30% terão mais de 60 anos", referiu o antigo ministro da Saúde, questionado "qual é a viabilidade económica e estratégica do país quando em 2060 tivermos uma população na grande maioria dependente - crianças, jovens e idosos - e onde com o atual modelo de pensões e proteção social nós não geraremos meios para que o país seja viável?" Tendo todas estas variáveis em conta, Portugal "é uma sociedade em risco", frisou.



A solução passa por "alterar rapidamente a composição social e demográfica. A imigração é bem-vinda, é a solução que temos para o curto prazo, mas terá que ser uma imigração que constrói o país", defendeu.



Novas necessidades e soluções

Tendo em conta que o envelhecimento implica necessidades de saúde diferentes, Adalberto Campos Fernandes referiu que "o SNS já hoje está em grande sofrimento e num quadro destes, sem alterações estruturais, implodia do ponto de vista das respostas". Salientou também que, apesar do aumento da esperança de vida da população, os portugueses não envelhecem com qualidade.



Para o ex-ministro da Saúde, "é preciso preparar os sistemas de proteção social e de saúde para este naipe de população que vamos ter". Porém, a pressão sobre o SNS "é hoje muito maior do que era há 20 anos". E tendo em conta que Portugal aumentou em 2023 a taxa de pobreza para 17% - e pobreza e saúde andam interligadas - "o combate à pobreza é essencial para melhorarmos a dependência dos serviços de saúde e dos serviços de proteção social".



Lara Patrício Tavares reforçou que "as questões demográficas são em grande medida estruturais e não se resolvem com políticas de curto prazo e exigem planeamento a médio e longo prazo". Para além disso, "Portugal entrou em transição demográfica com níveis de riqueza completamente diferentes da Noruega ou da Suécia", pelo que soluções para esses países não se aplicam a Portugal, explicou. "Temos níveis de pobreza sobretudo entre os mais velhos que não têm comparação com os desses países"", explicou a professora do ISCSP.



Dada a complexidade do tema demográfico em Portugal, Maria João Moreira também defendeu que têm de se encontrar múltiplas soluções. "Temos que continuar a apostar na natalidade com políticas muito diferentes daquelas que temos tido", referiu. A imigração é também outra das soluções, mas a professora no Instituto Politécnico de Castelo Branco salientou que "Portugal não está no centro da Europa e muitos dos que vêm também se vão embora", pelo que não se deve apostar só na imigração para equilibrar a balança demográfica. Nesse sentido, defendeu que "falta uma estratégia demográfica que tenha em conta a natalidade e as questões ligadas ao apoio à família e aos casais jovens".



Adalberto Campos Fernandes trouxe ao debate o bom exemplo dos suecos que vivem com qualidade durante mais anos, porque investiram há 40 anos em educação e literacia. "Eles não são tratados de uma forma paternalista pelos serviços de saúde e são agentes da sua própria vida, fazendo exercício físico, por exemplo". Contrariamente, em Portugal, o isolamento agrava a condição de vida dos idosos.



Porém, para deixar uma nota mais positiva ao debate, Maria João Moreira salientou que também existem oportunidades para a população envelhecida, nomeadamente naquela que é chamada de economia da longevidade.



"Obviamente que tem de haver uma idade da reforma, mas deve haver a possibilidade de as pessoas poderem trabalhar, se assim o desejarem. Porque é que, se eu quiser, não posso trabalhar até aos 74 ou 74 anos? Em teletrabalho, em consultadoria, por exemplo", referiu. Salientou que a sociedade mudou e deve ser encarada e adaptar-se a esta nova realidade.



"Há um capital de experiência acumulado por parte das pessoas mais velhas que é desperdiçado e isso em termos de sociedade é grave. A sociedade tem de ser mais flexível", concluiu Maria João Moreira.

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