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De catedrais de consumo a promotores da sustentabilidade

Associados a grandes edifícios, grandes gastos energéticos e grande consumo, os centros comerciais estão a tornear este paradigma rumo a uma operação mais sustentável. Em 2023, um pacto do setor em Portugal pretende harmonizar a transformação em curso.

Sónia Santos Dias 21 de Dezembro de 2022 às 10:30
Centros comerciais têm apostado em estratégias de eficiência energética e em medidas viradas para a sustentabilidade. Pexels
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Estamos na altura do ano em que o consumo é exacerbado e as pessoas acorrem aos centros comerciais para as tradicionais compras de Natal. As luzes de Natal aumentam a fatura energética, os embrulhos dos presentes utilizam toneladas de papel, gasta-se mais água, produzem-se mais resíduos e as deslocações deixam uma pegada de carbono ainda mais acentuada.

Mais do que catedrais de consumo, são locais onde as pessoas têm oportunidades para as suas necessidades. Fernando Oliveira
Administrador da Mundicenter
Construídos como grandes edifícios agregadores de comércio e atividades, os centros comerciais têm desempenhado nas últimas décadas um papel central nas dinâmicas das comunidades a nível económico e social. São, por isso, grandes consumidores de energia e de água e produtores de resíduos. Mas, face à revolução sustentável em curso, estão a transformar-se para se adequarem a novos valores e exigências. Motivo pelo qual a designação "catedrais de consumo" já não se aplica, segundo Rodrigo Moita de Deus, CEO da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC). "Há muito que os centros comerciais têm alterado essa configuração, de locais aonde vamos para locais onde estamos. Isso significa uma oferta cada vez mais completa: lojas, serviços, restauração, cinemas, mas também programação cultural, animação e convívio. Os centros comerciais são cada vez mais os centros da vida social das cidades", enfatiza o responsável.

Perante esta transformação, os maiores obstáculos são sentidos na eficiência energética e hídrica, onde o setor tem realizado "avultados investimentos".

A APCC definiu recentemente um plano para a redução de consumos energéticos nos shoppings nacionais. "Com o plano queremos, a curto prazo, ir ainda mais longe na redução de consumos. Fazer aquele esforço adicional na climatização e na otimização dos meios mecânicos mantendo critérios de segurança e conforto para os milhões de portugueses que nos visitam", explica Rodrigo Moita de Deus. E acrescenta que, "a médio prazo, o objetivo é reforçar a produção própria de energia". "Ao dia de hoje, a maior parte dos nossos associados está a trabalhar na instalação de fontes próprias de produção de energia, o que nos permitirá uma redução ainda mais significativa dos consumos e da dependência da rede. Estamos a falar de uma redução transversal (mínima) de 15% nos consumos", adianta.

Em 2023, o setor pretende firmar também um pacto de sustentabilidade para harmonizar as melhorias realizadas, de forma a "cruzar e promover as melhores práticas do ecossistema". Mas não só.

Na medida em que a sustentabilidade não é só eficiência de cariz ambiental, o objetivo é que este compromisso vá para além de gestores e proprietários e envolva todas as partes que fazem parte deste ecossistema: empresas, retalhistas, colaboradores, mas também visitantes. "A sustentabilidade está na forma como olhamos para a nossa atividade económica, mas também na forma como agimos em sociedade e nas comunidades que nos rodeiam, nas suas diferentes dimensões e temas, da inclusão à igualdade de género, da energia à responsabilidade corporativa. Estamos conscientes do enorme impacto que o ecossistema dos centros comerciais tem nas nossas comunidades", sublinha o CEO da associação.

Périplo pelos shoppings portugueses

Estamos no Natal e as luzes fazem parte da magia da época. Num ano desafiante devido à crise energética, uma das medidas transversais dos centros comerciais foi reduzir o horário da iluminação, ficando as luzes apenas ligadas a partir do final do dia. Um detalhe... Para além disto, o que estão a fazer concretamente os centros comerciais para se tornarem mais sustentáveis? Fomos ouvir três grupos.

A Mundicenter é responsável por nove shoppings em Portugal, entre os quais as Amoreiras, o Fórum Aveiro e o Braga Parque. O grupo está a elaborar um plano global "por forma a ter uma abordagem abrangente e estruturada do tema sustentabilidade", refere Fernando Oliveira, administrador executivo da Mundicenter, em declarações ao Negócios.

Na área da energia têm sido feitos investimentos em painéis fotovoltaicos que já permitiram reduzir, por exemplo, 135 toneladas de emissões de CO2 por ano no Arena Shopping, 475 toneladas de emissões de CO2 por ano no Braga Parque e 170 toneladas de emissões de CO2 por ano no Strada Outlet. "Este tipo de equipamentos não só permitiu uma redução das emissões de CO2, como também gerou uma autonomia energética em cada um dos shoppings, nomeadamente, 6% no caso do Arena Shopping, 15% no Braga Parque e 6% no Strada Outlet", acrescenta o administrador.

Destaque também para uma redução de 42% no consumo total de iluminação nas sancas, devido à implementação de uma solução de eficiência energética. Os planos futuros passam por continuar a investir na instalação de painéis fotovoltaicos, equipamentos mais eficientes e iluminação LED, na medida em que, segundo Fernando Oliveira, a sustentabilidade é para o grupo um dos "pilares mais importantes".

Com um setor em metamorfose, para o responsável o futuro passa por tornar estes edifícios em espaços multifacetados, que ofereçam experiências diversas. "Mais do que catedrais de consumo, os centros comerciais são, cada vez mais, locais onde as pessoas encontram as oportunidades para as suas necessidades, não só as básicas, mas também de serviços que vão do lazer à saúde. O nosso objetivo é que o continuem a fazer através de uma experiência de qualidade, num ambiente e funcionamento sustentáveis", diz.

A Nhood tem como princípios orientador da sua atividade a preservação do planeta. João Jesus
Diretor de sustentabilidade e operações da Nhood Portugal
A Nhood é a entidade gestora dos centros comerciais Alegro, que se podem encontrar em Alfragide, Setúbal, Montijo, Sintra e Castelo Branco. Segundo João Jesus, diretor de sustentabilidade e operações da Nhood Portugal, o grupo "tem como um dos princípios orientadores da sua atividade a preservação do planeta". Por essa razão, traçou uma estratégia para atingir a neutralidade carbónica em 2040 e planos de ação para melhorar a resiliência às alterações climáticas dos seus ativos.

Em termos práticos, tal significa um controlo diário do consumo energético, através de uma gestão técnica centralizada para controlo e otimização da iluminação, ventilação e climatização, e aposta na iluminação LED e em detetores de movimento em zonas menos movimentadas. A energia utilizada é 100% proveniente de fontes renováveis.

É dada também especial atenção à gestão de resíduos, apostando o grupo na sua valorização ou reciclagem. João Jesus explica que os resíduos indiferenciados em todos os centros comerciais são encaminhados para triagem e posteriormente transformados em Combustível Derivado de Resíduos (CDR). Os resíduos orgânicos são encaminhados para circuitos de compostagem e os materiais plásticos são encaminhados para circuitos de reciclagem. No fundo, "a gestão de resíduos, a minimização dos consumos de energia, bem como a sensibilização na segregação de resíduos junto dos lojistas, fornecedores de serviços e visitantes são áreas que têm merecido uma intervenção cuidada dos centros comerciais Alegro", sublinha o responsável.

Em 2023, a ação na eficiência energética incidirá sobre a instalação de painéis fotovoltaicos e iluminação 100% led. A gestora também irá concluir a instalação dos sistemas de "smart metering" em 100% do seu portfolio. Em estudo está ainda a compensação das emissões que continuarão a ser emitidas. João Jesus dá conta de que estão "em fase de análise, para garantir uma compensação sustentável a longo prazo".

É assim visível que os centros comerciais estão a evoluir para espaços mais abrangentes que vão além do mero retalho comercial. João Jesus considera que "estão a tornar-se mais sustentáveis e com maior flexibilização e adaptação para absorver outros usos, sejam eles ‘coliving’, ‘coworking’, saúde, serviços públicos como a Loja do Cidadão ou até mesmo hotelaria". Ao nível da construção, salienta que serão edifícios que consumirão menos energia e recursos naturais e utilizarão materiais naturais duradouros e de baixa manutenção, dando como exemplo a cortiça.

O périplo segue pelos centros comerciais da Sonae Sierra, que incluem espaços como o Colombo, Vasco da Gama, Norte Shopping, mas também o Alexa, na Alemanha, ou o ParkLake, na Roménia, onde também existem mudanças. "Iniciámos a jornada da sustentabilidade há mais de 25 anos, integrada transversalmente em todas as áreas de negócio da Sonae Sierra", refere Elsa Monteiro, diretora de sustentabilidade da Sonae Sierra. Como pioneiros na integração da sustentabilidade no negócio imobiliário, a responsável destaca "a experiência sólida na aplicação de soluções de vanguarda nos ativos imobiliários".

Os lojistas são um dos principais "stakeholders" da estratégia de sustentabilidade da empresa, com quem trabalham em conjunto para um uso mais eficiente dos recursos e uma maior reciclagem de resíduos. De salientar medidas como a instalação de iluminação e equipamentos de eficiência energética; otimização dos horários de funcionamento da iluminação e dos equipamentos; gestão eficaz dos sistemas de ar condicionado, através da maximização da ventilação natural, etc.

Quanto a números, a diretora destaca a redução do consumo de água em 41%, entre 2003 e 2021; a redução das emissões de CO2 em 84%, entre 2005 e 2021; e a redução no consumo de eletricidade em 66% desde 2002. Por outro lado, a taxa de reciclagem disparou em 239%, entre 2002 e 2021.

Contamos melhorar a performance nos próximos anos, para sermos neutros em carbono até 2040. Elsa Monteiro
Diretora de sustentabilidade da Sonae Sierra
Elsa Monteiro reforça que estes números demonstram "o esforço e o empenho" feito nestas áreas. "Certamente que contamos com uma melhoria desta performance para os próximos anos, com o objetivo de sermos neutros em carbono até 2040, antecipando em 10 anos a meta estabelecida pela Comissão Europeia", acrescenta.

A empresa visa também continuar a alcançar certificações de sustentabilidade ambiental BREEAM, contando já com esta certificação em 58% do seu portefólio. Também pretende continuar a alcançar o nível Green Star no GRESB Benchmarking, que valida o desempenho ESG. O futuro passa também por "continuar a aumentar a eficiência energética e investir em produção de energia renovável em cada um dos nossos ativos; comprar energia verde; promover a implementação das melhores práticas entre os principais arrendatários; e apostar na otimização dos materiais de construção, aumentando a sua componente reciclada e diminuindo o carbono embutido", acrescenta a responsável.

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