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01 de Abril de 2015 às 22:12

Obrigada Syriza

Durante a última campanha para as presidenciais francesas, o "Nouvelle Observateur" publicou um texto paródia onde concluía pela improbabilidade da eleição de François Hollande porque, ao longo da V República, a estatura dos seus presidentes sempre se revezou entre mais altos e mais baixos, e François Hollande conseguia ser um centímetro ainda mais pequeno do que Nicolas Sarkozy, que já media menos 22 centímetros do que Jacques Chirac.

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O socialista quebrou essa regra de alternância, foi eleito, mas só agora parece ter-se dado conta de que, por estar à frente de um país sem o qual nenhum projecto da União Europeia fará qualquer sentido, tem de ser bem maior do que o corpo em que nasceu.

 

Com todos os seus muitos defeitos, Sarkozy teve o mérito de perceber que, com um passado tenebroso que ainda é pouco passado, a Alemanha não podia ficar sozinha à frente da Europa num processo de crise, necessariamente traumatizante e fracturante.

 

Já Hollande preferiu resguardar-se o mais que pôde numa sombra cobarde que lhe permitiu passar por algum tempo pelo simpático, embora ineficiente, líder dos anti-austeritários, querendo fazer esquecer que, se por redução ao absurdo, a Alemanha desaparecesse hoje do mapa do euro teríamos o mesmo meio mundo que anda de boca cheia de "IV Reich" a fazer romaria a Waterloo para reclamar reparações morais e materiais das guerras napoleónicas, logo agora que se comemora o segundo centenário do seu termo.

 

"O que faz a Alemanha tão forte é a fraqueza dos outros", escrevia Alan Posener, influente jornalista e "blogger" alemão nascido no Reino Unido. Não fosse a crise e a ausência de França, Angela Merkel "teria sido apenas mais uma chanceler na corrente da História". Não fosse a crise e a ausência de França, não teria seguramente existindo tanto espaço para a diabolização da Alemanha, espaço onde o Syriza cresceu e que, com enorme ingenuidade, quis ampliar quando subiu ao poder na Grécia, embalando numa insana e contraproducente tentativa de isolamento do governo alemão, que acabou por ter um efeito aglutinador. "Há nuances, mas não há pombas nem falcões, nem polícias maus e polícias bons. O Eurogrupo está bastante unido. Foi um erro de Varoufakis tentar dividir-nos. Uma infantilidade", disse recentemente a jornalistas uma alta fonte da Comissão Europeia, da ala esquerda francófona.

 

Dois meses depois das eleições gregas, "First we take Manhattan, then we take Berlin" promete quanto muito ficar na memória como banda sonora da rápida ascensão e da mais rápida queda na realidade de quem vence eleições prometendo o que sabe ser impossível cumprir. Yanis Varoufakis estará a prazo como ministro, enforcado às próprias mãos, fascinado como Narciso. Alexis Tsipras, que em Bruxelas se acredita ser agora o "boss" e Varoufakis um mais "leal" subordinado, possivelmente terá ainda de passar a maior prova de fogo de autoridade - no seio do seu próprio partido.

 

Dois meses depois das eleições gregas, começa a cimentar-se a convicção de que a Europa e o euro até poderão sobreviver sem a Grécia. Não sobrevirão ao facilitismo de que se alimenta o populismo (e vice-versa). "Nem tudo correu às mil maravilhas e os programas de ajustamento podem não ser perfeitos, mas não foram feitos por gente sádica ou masoquista. Há medidas difíceis que são mesmo necessárias", ripostou nesta semana no parlamento português Pierre Moscovici, comissário dos Assuntos Económicos e ex-ministro francês das Finanças de Hollande, ao contestar que a austeridade seja vista como o "ovo", "a causa de todos os males", quando será porventura mais "galinha", "consequência de desequilíbrios acumulados no passado".

 

Dois anos após a vitória de Hollande, confirma-se a certeza de que a Europa não sobreviverá a um eixo franco-alemão longamente desavindo. Produto de várias tragédias, Paris e Berlim são hoje "uma espécie de irmandade" (François Hollande dixit). Involuntariamente, o Syriza terá sido o maior empreiteiro da Merkollandia.

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