Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Os nossos depósitos estão (mesmo) a salvo?

Depois da forma desastrada como o imposto sobre os depósitos bancários em Chipre foi tratada, as autoridades nacionais apressaram-se a garantir que, por cá, as poupanças nunca serão beliscadas.

  • ...

Vítor Gaspar e Carlos Costa fizeram o que lhes competia para tranquilizar os aforradores mas, face à veemência com que afirmam que Portugal está a salvo de uma nova vaga de tempestades, arriscam-se a que os portugueses que acreditam nas juras de hoje se voltem a sentir atraiçoados, amanhã. 


É certo que os europeus têm hoje a garantia de que, em caso de insolvência de um banco, os seus depósitos estão salvaguardados até ao limite de 100 mil euros e que, no caso de Portugal não haverá razões para temer uma crise bancária que ponha em causa as poupanças nacionais. Contudo, numa situação de reavivamento da instabilidade financeira internacional, a garantia dos 100 mil euros será tão sagrada quanto todos os outros dogmas que os portugueses já viram ruir à sua volta nos últimos dois anos.

Segundo o último relatório do Fundo de Garantia de Depósitos, no final de 2011 existiam 111,6 mil milhões de euros em depósitos até 100 mil euros. O Fundo, por sua vez, tem cerca de mil milhões de euros (1,3% do total), o que mostra quão limitados são os recursos para fazer face a situações mais extremas.

Como sublinhava esta semana um ex-banqueiro britânico ao "The Guardian", convém ter presente que enquanto a Europa não criar um sistema comum de garantia de depósitos, ele é pouco mais do que "um luxo apenas à disposição dos países que o podem pagar. E os que o podem pagar são, precisamente, aqueles que menos precisam deles".

Em segundo lugar, o facto de a taxa sobre depósitos em Chipre se destinar ao financiamento da recapitalização do sistema bancário local não significa que outro Estado esteja impossibilitado de cobrar um imposto análogo, destinando-o a outro fim. Não seria inédito e muito menos bizarro.

Ao longo do século XX, há vários exemplos de países que, em situações de emergência, lançaram mão de taxas sobre poupanças. O economista Barry Eichengreen enumera uns quantos num estudo publicado no NBER, onde tenta avaliar a eficácia de medidas desta natureza. Da Noruega na década de 30, passando pelo Japão no pós-guerra, até à Itália em 1992, todos taxaram poupanças para financiarem o Estado.

Portugal tem demonstrado pouca simpatia por impostos sobre o património, e mesmo o IMI acaba por não ser considerado um imposto sobre o património puro, já que se baseia no princípio do benefício (que o proprietário retira). Contudo, com os impostos sobre o rendimento e o consumo exauridos, e num cenário de contínua degradação das condições financeiras, com a dívida a ultrapassar as piores expectativas, podem mesmo as autoridades garantir que não beliscarão nos depósitos?

Enquanto as explicações da realidade oscilarem entre os extremos do alarmismo irresponsável e da negação ilusória, a assimetria de informação continuará a excluir a maioria do direito a decisões conscientes, em benefício de uma minoria privilegiada.

Visto por dentro é espaço de opinião de jornalistas do Negócios

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio