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Tiago Freire tiagofreire@negocios.pt 21 de Setembro de 2017 às 23:00

A criança problemática

O Commerzbank olhava para o infantário e chamava-nos "uma das crianças problemáticas da Zona Euro". Refira-se, no entanto, que o banco alemão juntou-se ao coro dos actuais elogios e diz que já não o somos, depois de passarmos pelo reformatório da severa troika.

A imagem é interessante e, descontando o paternalismo e algum chauvinismo, não é desprovida de sentido. Se a Zona Euro for a nossa família, o pai severo seria naturalmente a Alemanha, aquele que de acordo com o estereótipo do passado, disciplina e ganha o pão. E a garotada teria de ser o sul da Europa, os tais que gostam de vinho, mulheres, bola e, já agora, de muitas outras coisas boas da vida para além do trabalho.

Mas se Portugal é o aluno-estrela é também porque as nossas condições foram diferentes - de substância e de tempo - da Grécia, por exemplo. Portugal foi escolhido pelos professores para mostrar que eles não são sempre incompetentes, e que conseguem transformar um caso aparentemente perdido num educando do quadro de honra. Por outras palavras, dava jeito que connosco a coisa corresse um pouco melhor.

Fizemos por isso, sem dúvida. Com excessos de uma agressividade gratuita, aqui e ali, não indo tão longe nalgumas reformas que deveríamos ter feito e que não se concretizarão tão cedo. Beneficiámos de uma vontade política de que tivéssemos sucesso e de uma envolvente internacional eventualmente irrepetível. E fizemos, colectivamente a nossa parte. O que se segue, agora?

O Commerzbank já não nos chama criança problemática, mas reconhece que os problemas não desapareceram todos. E há sinais e indicadores de alerta.

A despesa do Estado está controlada, mas a parcela da despesa fixa do Estado está e irá continuar a aumentar. No comércio internacional, a sensação de alívio levou a um estado de euforia, com um ímpeto gastador que se vê nos carros comprados, e noutras importações para consumo puro. Em 2017, serão vendidas e compradas centenas de milhares de casas, cuja avaliação não cessa de aumentar (até quando?) e cujos contratos são feitos com as Euribor negativas (até quando?) na cabeça. A dívida pública teima em não baixar que se veja, enquanto vamos ficando satisfeitos com o rácio desta face ao PIB, que esse sim está robusto.

Ninguém vira génio ou virtuoso de um dia para o outro, mesmo com a "cura" de pancada que apanhámos no lombo. As circunstâncias mudaram, para melhor, e nenhum povo pode viver para sempre no pânico do próximo corte. Mas há comportamentos, compreensíveis e alguns até saudáveis até certo ponto, que já vimos nos nossos tempos de "criança problemática".

Muita gente fala em políticas anti-cíclicas, mas poucos efectivamente as praticaram, sobretudo em tempos de crescimento.

A festa está boa, mas se calhar não fazia mal irmos baixando um bocadinho o volume.
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