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19 de Dezembro de 2006 às 13:59

Para que servem os impostos

Não há grande ciência na política fiscal deste Governo: ela praticamente não existe. O que há é uma máquina registadora com um único fito: ter mais receita, pouco importa como.

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Crueldade? Não, resignação. O contexto é uma restrição absoluta balizada pelo défice orçamental. Por causa desse constrangimento, o Governo abdicou de políticas orçamentais anticíclicas e o Estado criou uma asfixiante malha de tributação. É simples: o Ministério das Finanças não vai recuar uma milésima nas taxas porque não pode. Com mais tributação e um fisco hiperactivo (e sem controlo nas cobranças...), o resultado vê-se na execução do Orçamento do Estado deste ano: excelente desempenho na receita, sobretudo no IRS e IRC.

Esta ditadura da receita já não vai funcionar em 2007, ano em que o esforço do lado da despesa será muito superior, com uma factura pesada designadamente para a função pública. Mas enquanto se olha para o deve e haver, perde-se o foco do que deve estar subjacente a uma política fiscal: devemos liquidar impostos não apenas para pagar contas do Estado mas também para estimular crescimento e redistribuir riqueza. Não é um deslumbramento dizê-lo – está na Constituição da República.

E está à frente dos nossos olhos. Porque a pobreza nas cidades e a penúria nos campos não estão apenas no discurso pela inclusão do Presidente Cavaco. Estão na desertificação de aldeias e na dimensão crescente da fila da sopa dos pobres, que já dá a volta ao quarteirão de Lisboa. Estão nas estatísticas, pois o "PIB per capita" sobe escondendo assimetrias de rendimento.

O assunto não é novo, mas agrava-se: Portugal é dos países onde os 20% mais ricos têm um rendimento mais desproporcionado face aos 20% mais pobres (7,2 vezes, contra 4,8 na Europa). Em 1998 era menos mau. Em 2007 será pior, dada a ineficiência do Estado neste combate: um em cada quatro (27%) portugueses precisa do Estado para sair da pobreza; mas um em cada cinco (21%) continua abaixo do limiar da pobreza depois das transferências do Estado, que até gasta cada vez mais dinheiro nisso.

Foi perante este diagnóstico e tendência que Vítor Constâncio propôs, no fim-de-semana, uma alteração no sistema fiscal para combater a desigualdade, inspirada no modelo francês: um "cheque-emprego" que estimula as pessoas de baixos rendimentos a procurarem emprego, quebrando a inércia do subsídio de desemprego que, adicionalmente, os portugueses não usam para criar o seu próprio emprego, como ontem este jornal noticiava. Hoje, vários economistas debatem a proposta, apontando fragilidades à burocracia portuguesa ou sublinhando a necessidade de medidas em várias áreas.

Dos modelos mais experimentalistas (como o cheque-emprego ou a taxa única, "flat rate", de IRS) aos mais puros (simplificação fiscal), passando pela contradição de os benefícios fiscais estarem a beneficiar os rendimentos mais altos, o debate é amplo. Começando pela raiz do sistema: uma corrente mais heterodoxa, que inclui a OCDE, defende cada vez mais que o combate à desigualdade deve ficar de fora do sistema fiscal e centrar-se na subsidiação directa.

Em Portugal, o ministro das Finanças não pode pensar nestas coisas. Nem o ciclo económico ele consegue gerir. Mas é bom que saibamos o que queremos fazer se um dia podermos baixar impostos. Porque há uma diferença grande entre uma economia que cresce e uma que se desenvolve. Crescimento é bom para o País, mas só desenvolvimento é bom para quem lá anda.

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