Opinião
Os ricos que paguem a crise
Muito dinheiro e poucos dramas. É assim que Carlos Santos Ferreira se propõe tirar o BCP do calvário, a partir de mais uma injecção de capital fresco dos accionistas. Em troca, oferece-lhes um activo: a sua própria reputação. Quem nela crer, passa o chequ
É um balúrdio, 1,3 mil milhões de euros, pedido por um banco que torrou os últimos aumentos de capital em baixos retornos, privilégios privados e algumas cenas canalhas. Sem capital, nem de confiança nem no balanço, o banco quer deixar de navegar na infâmia e a nova gestão apresenta-se sem qualquer vontade de falar do passado.
Essa amnistia às anteriores administrações é um direito que assiste a quem gere e a quem objectivamente não carrega peso na consciência: a CMVM, o Banco de Portugal, a SEC e os tribunais que culpem quem tem culpa. Para Santos Ferreira o único acerto de contas é contabilístico: 300 milhões de euros para assumir os prejuízos que estavam a ser ocultados.
Mas esse arquivamento do passado é apenas uma das técnicas para uma transição tranquila e sedutora. O movimento dos "lesados" do BCP será retribuído. A administração baixa salários e não há caça às bruxas nas direcções de primeira linha.
O plano de Santos Ferreira é muito mais simples do que se vinha congeminando: assumir o prejuízo do passado, aumentar o capital para equilibrar o balanço, não distribuir mais dividendos este ano para conter capacidade financeira e, contra várias expectativas, conseguir tudo isto sem precisar de vender bons activos como o banco na Grécia. O banco não se apequena, não fica entrincheirado num mercado doméstico que não cresce. Isso é essencial: o banco cresce do lado direito do balanço (Situação Líquida) e não se encolhe no lado esquerdo (Activo).
Mas nem este Santos da casa faz milagres. Não só os accionistas põem mais dinheiro e recebem menos dividendos como o encaixe será utilizado no crescimento da formiguinha: aumento de balcões e da concessão de crédito, provavelmente mais para os particulares que para as empresas: assim dispersa-se risco, diz-se que não a menos gente e a margem é superior.
Esse aumento de capital já está garantido por accionistas institucionais, que comprarão as acções com desconto de 10% a 20%. É, também, o início de um novo equilíbrio accionista, em que muitos daqueles que hoje pesam no banco (como Berardo, o BPI e outros) diluirão a sua posição. Será um BCP com mais leite e menos cacau: os ricos que paguem a crise.
É muito, o que Santos Ferreira está a pedir. Mas o banco vem à tona, respira fundo antes de voltar a submergir para um par de anos de ajustamento profundo mas com objectivos concretos. Essa é porventura o maior dos benefícios deste primeiro confronto público da nova gestão com o mercado de accionistas, jornalistas e analistas, que no ano passado agonizou com declarações equívocas: Santos Ferreira clarificou a dimensão do problema, quantificou os objectivos e relançou o programa de crescimento do banco.
É a isso que Santos Ferreira chama "Política de Verdade", como ontem enunciou em frase feita para título de jornal. Título, também, de um dos maiores sucessos dos Depeche Mode, que avisa: "É tarde de mais para mudar os acontecimentos/É tempo de assumir as consequências (...)/ Esconde o que tens a esconder/E diz o que tens de dizer".
Por agora, Carlos Santos Ferreira já disse o que tinha a dizer. Agora falam os accionistas.