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O jornalista-accionista

A assembleia geral de accionistas de uma empresa cotada em bolsa é um evento de natureza privada, devendo o acesso de jornalistas ser-lhes vedado? Ou, pelo contrário, tratando-se de sociedades com o capital aberto, qualificadas como "públicas" na gíria an

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A questão é controversa e existem bons argumentos para sustentar uma ou outra posição. Em diversos países europeus não há normas legais que forcem as empresas a abrir as portas aos media, mas a prática vai ganhando terreno de acordo com os critérios definidos em cada caso. Impedidos de entrar nas reuniões realizadas por sociedades admitidas à negociação em Lisboa, jornalistas portugueses já tiveram a oportunidade de assistir, por convite, a assembleias gerais realizadas por empresas cotadas noutros mercados. Se os valores a privilegiar forem os da transparência e da igualdade de circunstâncias no acesso de todos os accionistas à informação, a possibilidade de a comunicação social estar presente nestes eventos fará todo o sentido.

Perante empresas que têm o capital social disperso por uma vasta massa anónima de investidores, uma das principais preocupações das autoridades de supervisão centra-se no combate à informação privilegiada. Há legislação a cumprir quando uma empresa dispõe de factos relevantes que têm de ser comunicados ao mercado e as boas práticas nesta matéria só se justificam, caso se considere que a assimetria na informação é algo que prejudica a qualidade das decisões de quem investe.

É também uma questão de qualidade que está em causa, mas desta vez da própria informação, quando se opta por uma ou outra via. O testemunho directo de uma assembleia geral, como de qualquer outro acontecimento, resultará na edição de uma informação mais rigorosa, do que aquela que, mesmo com o cuidado de ser cruzada e validada junto de diferentes fontes, corre o risco de sofrer distorções motivadas pelos interesses particulares de cada uma. Estas são partes interessadas no desfecho de reuniões de especial importância como a que o BCP realizará a 6 de Agosto. E se é expectável que tentem sublinhar a versão da história que mais lhes convém, também não é menos evidente que todo o mercado ficará a ganhar se a informação for divulgada sem tentativas de filtragem entre quem a detém e quem a transforma em notícia acessível a todo o público.

O facto de uma associação ter disponibilizado procurações para que jornalistas possam assistir aos trabalhos da assembleia do BCP, que se adivinha escaldante, parece não passar de um exercício de esquizofrenia. Os media que aceitem a proposta, como é o caso do Jornal de Negócios, estarão na reunião não para representar os interesses dos accionistas que lhes passarem essa "responsabilidade", mas para observarem e relatarem aquilo a que vão assistir. A prática pode ser, até, encarada como uma forma de contornar uma lei das sociedades comerciais que não prevê a situação. A verdade é que também não a proíbe, deixando ao livre arbítrio dos órgãos sociais que organizam as assembleias a decisão sobre o que fazer.

No caso do BCP, o respectivo presidente da mesa já declarou que a assembleia não será aberta aos media. Mas não impedirá os jornalistas munidos de procuração de entrarem na sala. A situação pode ser discutível. Mas há fortes hipóteses de a informação sobre o evento ficar a ganhar. Neste caso, quem poderá queixar-se de excesso de rigor?

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