Opinião
Dez factos de 2006
As hesitações em episódios como o das caricaturas de Maomé geraram insegurança, que degenerou em intolerância e em medo. O quinto aniversário do 11 de Setembro revelou o fracasso da política antiterrorismo da administração americana, ...
1 - A democracia no medo
As hesitações em episódios como o das caricaturas de Maomé geraram insegurança, que degenerou em intolerância e em medo. O quinto aniversário do 11 de Setembro revelou o fracasso da política antiterrorismo da administração americana, que confunde força com virilidade e mostrou-se incapaz e corruptível. A Europa alargou-se mas perdeu liderança – é um projecto económico a meio caminho e um projecto político a caminho nenhum –, ajoelhando-se à chantagem energética da Rússia, onde mais cidadãos incómodos foram assassinados. A crise dos mísseis na Coreia do Norte ou as ambições nucleares iranianas deixam-nos preocupados. Mas é a fraqueza política da democracia ocidental que nos deixa inseguros.
2 - WEB 2.0.
É na Internet que a democracia floresce. A evolução para sítios alimentados pelos utilizadores criou um espaço de liberdade infinita que está a mudar o mundo. A "bolha" da Internet rebentou porque supunha que a explosão seria empresarial. Mas não é: é social, é popular, é cultural, é humana. Mais do que os negócios milionários nascidos de uma ideia, a Internet é hoje uma praça-pública auto-regulada, um imenso Estado livre. Para o bem e para o mal. Mas mais para o bem.
3 - Reformas do Estado
O Governo de Sócrates tem maioria absoluta e usa-a. Só nos últimos dois meses foram aprovadas as leis da Mobilidade, Finanças Locais, Finanças Regionais, Estatuto da Carreira Docente, Orçamento do Estado, Lei de Bases da Segurança Social. São reformas importantes, que viram do avesso muitas áreas. Tal como o Simplex, o encerramento de maternidades, a Lei do Arrendamento...
4 - Contestação Social
É o reverso da medalha. Educação e Saúde foram em 2006 os sectores mais contestatários, mas as sondagens mostram que estas ilhas de protesto são contrariadas por um apoio popular a Sócrates que a intensidade das suas mudanças não faria prever. Aviso: em 2007, o aperto da administração pública será pior. A contestação vai aumentar.
5 - OPA à PT
É o maior negócio de sempre em Portugal; é um golpe de arrojo num País conservador; consubstancia uma transição no maior empregador privado em Portugal (Belmiro tem sucessor, é o filho Paulo Azevedo); e muda o sector de telecomunicações. Além disso, a operação abriu uma caixa de Pandora, foi seguido da OPA do BCP sobre o BPI e há muita especulação sobre outras operações na Bolsa, que disparou este ano em vários sentidos: valorização (quase 30%!), volume negociado, atracção de investidores, portugueses e estrangeiros, e de empresas (como a Galp).
6 - Encerramento de multinacionais
O ministro da Economia desunhou-se no anúncio de projectos de investimento estrangeiro, ao lado de um surpreendente Basílio Horta na API. Mas enquanto os projectos não chegam, muitos já foram. A deslocalização de empresas teve em 2006 contornos devastadores em várias localidades. A Johnson Controls, a GM, a Alcoa, a Lear, a sangria no sector do calçado?
7 - Fiscalizações
O Fisco caça devedores como quem caça andorinhas com uma metralhadora: atira ao bando, acerta em alguns pássaros, muitos escapam e por vezes acerta onde não deve. Mas o aumento da cobrança fiscal melhorou e a cultura de medo do Fisco aumentou. Mas houve mais, em 2006. A Autoridade da Concorrência detectou cartéis poderosos, a ASAE fez o que nunca se tinha feito e encerrou restaurantes, feirantes e bombas de gasolina, a Sefin denunciou más práticas na banca (os arredondamentos). Portugal ficou mais longe de ter apenas boas leis que ninguém cumpre.
8 - Combate à corrupção
Não houve ainda nada de definitivamente marcante no combate à corrupção: os processos estão abertos e não há culpados. Mas a Operação Furacão (economia), o Apito Dourado (futebol), o Envelope 9 (política) tiveram efeitos detonadores. E Carolina Salgado acendeu um rastilho que pode explodir em 2007.
9 - A ocupação do Rivoli
Foi, em si, um epifenómeno, nota de rodapé no ano. Mas foi também uma erupção da sobranceria ignorante do poder político perante a cultura, revelando ademais como muitos dos próprios "agentes culturais" olham para os dedos e não para o céu que apontam. A cultura é importante demais para isto. As autarquias agravam as suas falências mas não só as económicas. Em Lisboa e Porto irrespira-se.
10 - Cavaco Silva Presidente
"Cavaco Alegre" foi a manchete do Jornal de Negócios no dia seguinte às presidenciais, sublinhando os vitoriosos da noite da desilusão de Soares. Para já, Cavaco deu o braço a Sócrates. Mas espera-se que o Presidente perca a inconsequência majestática quando for altura de intervir na corrupção ou na justiça. Vai uma aposta...