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A pesca selectiva

Numa sociedade civilizada, há algumas boas razões para se pagar impostos. É preciso que os contribuintes acreditem que devem fazer algum sacrifício pelo bem comum. É necessário que cada um forme a convicção de que todos cumprem as suas obrigações. É eleme

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E é essencial que se forme a convicção de que o dinheiro entregue ao Estado é gasto com critério e sentido das responsabilidades.

Em qualquer uma destas frentes, sobretudo no que se refere à perseguição e penalização dos maus comportamentos, tem havido progressos e excessos. Mas no capítulo da racionalidade na gestão dos dinheiros públicos, o país está muito longe de ter atingido o grau mínimo de credibilidade. Basta fazer uma pesquisa ao acaso na Internet, em busca de notícias sobre recursos mal aplicados ou simplesmente esbanjados, para se encontrar matéria suficiente para que o comum dos cidadãos lamente a parcela dos rendimentos que entrega anualmente aos cofres do Estado. Uma visita, ainda que rápida, ao “site” do Tribunal de Contas, também se revela elucidativa sobre o destino duvidoso que a máquina pública e quem a gere dão às somas crescentes que o Fisco subtrai aos frutos da actividade das empresas e das famílias.

As conclusões nem sempre são pacíficas e é vulgar que os visados desvalorizem os relatórios do Tribunal de Contas, tentando lançar a suspeição de que o problema não estará na forma como se gasta o dinheiro dos contribuintes, mas na competência, ou falta dela, dos quadros da instituição. A questão é que, feitas as devidas correcções, a substância, geralmente, pouco muda. E a percepção que fica, confirma as suspeitas ou o saber decorrente do confronto directo com casos de má gestão.

Multiplicam-se as mordomias, muito para além daquilo que é razoável no interior das administrações públicas, em empresas e institutos pertencentes ao Estado. Fazem-se contratos e negócios ruinosos para os contribuintes, mas rentáveis para quem aproveita a oportunidade de sugar o dinheiro que tem o grande defeito de não ser de ninguém. E na adjudicação de obras públicas, o barato acaba por sair caro. Porque, entre projectos subavaliados ou mal planeados, com ou sem intenções fraudulentas, é rara a empreitada que cumpre os limites da adjudicação. Fazer negócios com o Estado pode forçar a enfrentar o problema de este ser um mau pagador, mas por incúria ou cumplicidade, tem sustentado a emergência ou o reforço de muitas fortunas.

Neste cenário, que explica uma boa parte da resistência em pagar impostos de muitos contribuintes que não seriam capazes de roubar um cêntimo a quem quer que fosse, a iniciativa do Tribunal de Contas em proceder a auditorias a diversas obras públicas é credora de aplauso. Como é, também, a decisão da instituição de criar uma equipa que terá como tarefa manter vigilância, que se espera atenta, sobre grandes projectos lançados e financiados pelo Estado. Pode não ser suficiente para acabar de vez com a rebaldaria, mas dá sinal de que algo pode começar a mudar.

O mesmo não se pode dizer sobre o alargamento para 25% do limite para as habituais derrapagens nos orçamentos de certas obras públicas, qualificadas como “tecnicamente complicadas”. A rede é apertada para pequenas empreitadas, o que parece bem, e alargada para as que consomem mais recursos, o que já se mostra duvidoso. O Governo vai à pesca à sardinha mas quer continuar a nadar com os tubarões.

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