Opinião
A OPA que não morreu
Faz hoje dois anos que o Sérgio Figueiredo me chamou, eram quase 20 horas. “A Sonae vai lançar uma OPA à PT”. A minha reacção foi idêntica à de um país inteiro: “Impossível!”. Mas a fonte do Sérgio era boa. Dividimos contactos e, minutos depois, tínhamos
Até da PT nos diziam que não, que no máximo era sobre a PT Multimédia, PT nem pensar, onde é que eles iam buscar o dinheiro?, a lata daquela gente, com quem pensam que se estão a meter?, que topete! Estavam furiosos, o plebeu fazia peito ao aristocrata, sentiam-se humilhados. E nós radiantes: Portugal não estava habituado a negócios assim.
Ninguém estava preparado para aquele negócio. A PT foi posta em xeque, a Autoridade da Concorrência e a Anacom atrapalharam-se com o inesperado brinde, a imprensa aprendeu numa semana de logros de OPA concorrentes mais sobre contra-informação do que em anos de negócios menores, a CMVM caiu em cima dos declarantes, os advogados procuraram minas e armadilhas, os trabalhadores viram o chão fugir-lhes sob os pés.
Belmiro de Azevedo consagrou-se como o maior empresário português, um sem-medo entre a coragem e a ingenuidade, que só destruiu a aura quando perdeu a vergonha e, poucas semanas antes de subir a parada, jurou na TV que só aumentaria preço se encontrasse petróleo. Henrique Granadeiro foi o obreiro de uma inversão da imagem pública da PT, numa operação que ainda será caso de estudo em universidades. Geriu sem pinças as relações com accionistas, com a imprensa, com a Bolsa, retumbando numa vitória apoteótica na Assembleia Geral. Galvanizado, teve depois excessos de confiança, exigindo ajustes de contas à Telefónica (feita com a Sonae) e ao Santander (que financiava Belmiro), criando sapos que veio a engolir.
Mas além dos presidentes, além de outros protagonistas da Assembleia Geral (como Berardo, que aí descobriu a força do populismo capitalista; como Carlos Osório de Castro, o sempiterno advogado de Belmiro que deu a cara pela derrota), o após-OPA serviu para passar o testemunho: Paulo Azevedo e Zeinal Bava são a nova geração no poder.
Se a OPA tivesse tido sucesso, estaríamos hoje a meio de um processo de assimilação de empresas nas condições impostas por Abel Mateus. A Optimus e a TMN seriam uma única empresa. A Vivo seria vendida à Telefónica, para gerar dinheiro que pagasse a dívida. A PT Comunicações (rede cobre) separar-se-ia da PT Multimédia (rede cabo).
Como a OPA não avançou, a separação da PTM fez-se mas de outra forma, dentro de um pacote de dividendos que entregou quase seis mil milhões de euros (!) aos accionistas. Nunca saberemos o que teria feito a PT se pudesse ter investido esse dinheiro em crescimento. Mas sabemos que a PT está hoje encurralada entre a difícil hipótese de crescer no Brasil e o apequenar-se tanto que não restará capacidade de resistência a ser engolida por uma Telefónica. A Sonaecom continua demasiado limitada, a precisar de comprar ou de que a comprem.
O grande beneficiado da OPA falhada foi o consumidor. Há hoje condições formais de concorrência nas telecomunicações como nunca houve. Mas falta a substância, passar do Zen para o Zon. É da antiga Multimédia que podemos esperar as maiores propostas que desequilibrem o mercado a favor do cliente. Primeiro, Rodrigo Costa tem de clarificar quem manda na empresa. Depois, tem de implementar o seu plano estratégico. Virá a TDT, o quinto canal TV. E não serão necessários mais dois anos para dizer que tudo mudou. É porque os seus efeitos permanecem que a OPA não morreu. Foi bom enquanto durou? E dura, dura, dura...