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O mujimbo à escala global

O escritor angolano Pepetela, no livro “A Gloriosa Família”, explica a evolução da palavra mujimbo. Começou por significar notícia, no já muito longínquo século XVII, e acabou identificada como boato. Primeiro, era um passa-palavra entre aldeias. Depois, com as guerras, o mesmo passa-palavra passou a ser usado para disseminar informação falsa e assim obter vantagem sobre os adversários.

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O Facebook, nos primórdios, emergiu como o mujimbo na sua primeira forma, uma ferramenta para transmitir informação à escala global e democratizar o acesso dos cidadãos à mesma. A afirmação do Facebook fez-se pela via do encantamento. Um espaço mundano, sem peias, que permitia a livre circulação de informação, a liberdade opinativa e coisas mais comezinhas como o reencontro de amigos.

A rede social cresceu de forma vertiginosa e perdeu a inocência. Os donos do Facebook exploraram ao limite a forma de tornar a rede lucrativa e os grupos de interesse encontraram naquele espaço imaterial o território indicado para praticar a arte do mujimbo dos tempos modernos, respaldados na credulidade dos utilizadores.

O que a Cambridge Analytica fez com os dados de 50 milhões de utilizadores do Facebook, a favor da campanha de Donald Trump, é a ponta visível do icebergue. É claro que importa reflectir sobre o Facebook (e as outras redes sociais) e é fundamental impor limites legais às empresas, até porque a ética, nos dias de hoje, é um conceito volúvel.

Contudo, o desafio não é apenas regulatório. Implica uma mudança séria e urgente no plano individual. As pessoas devem deixar de olhar para as redes sociais como um "feed" de notícias, julgando que estas substituem quem efectivamente as produz, ou seja, os órgãos de comunicação social.

As redes sociais ganharam esse estatuto com a conivência de outros poderes (o político e o económico, por exemplo), os quais apostaram na fragilização da comunicação social, na presunção de que a fraqueza de uns seria a força de outros. O tiro saiu pela culatra, na medida em que esses mesmos poderes se transformaram em alvos preferenciais dos mujimbos, sem direito a contraditório. Julgados e condenados num ápice, queimados numa fogueira permanentemente acesa que se alimenta de indignações instantâneas.

As gigantescas máquinas de produção de mujimbos estão descontroladas. Não informam. Deformam. O poder para travar este ímpeto está nas mãos dos utilizadores. Cabe a eles devolver as redes sociais ao domínio do mundano. De onde nunca deveriam ter saído
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