Opinião
Maria Barroso: Uma mulher que nunca quis ficar "quietinha"
Maria Barroso morreu. Este é um obituário de afectos e de admiração por uma mulher que quis trabalhar até ao fim da sua vida. Obrigado pelas conversas. Foi muito gratificante tê-la conhecido.
Este não é um obituário oficial. É um obituário de afectos, de memórias avulsas. Nunca fui íntimo de Maria Barroso [1925-2015] mas privei com ela as vezes suficientes para a admirar. Diz-se que por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Maria Barroso nunca esteve atrás de Mário Soares. Nem à frente. Esteve sempre a seu lado.
Numa conversa invernal, no seu gabinete na Fundação Pro Dignitat, registou a diferença de tratamento público. Disse qualquer coisa como isto: ‘toda a gente fala das caminhadas de cinco quilómetros que o Mário faz na praia do Vau, mas ele volta de carro e eu regresso a pé. Faço 10 quilómetros e ninguém fala disso’. Constatava, sem azedume.
Na mesma ocasião, em Dezembro de 2010, já com o gravador ligado, falou da sua relação com a morte e fez questão em dizer que queria continuar a trabalhar até morrer. Evocou o irmão Alberto, que contra o seu conselho, se reformou cedo. "Pôs-se sentadinho defronte da televisão, quietinho, morreu em pouco anos". Ela não queria esse destino para si. Queria morrer a trabalhar. O seu desejo foi satisfeito porque sempre se recusou a parar.
Maria Barroso era uma mulher obstinada. Determinada. Nos últimos tempos fez um trabalho notável na Fundação Pro Dignitat, em especial na promoção da paz na Guiné-Bissau. Tal como foi decisiva para que a Frelimo e a Renamo fizessem a paz em Moçambique, em 1992.
Em 1989, na Jamba, Angola, o filho João Soares foi vítima de um acidente de aviação. Ficou entre a vida e a morte. Mais próxima da segunda. Maria Barroso juntou-se ao filho no hospital. Na altura redescobriu Deus, pediu-lhe que resgatasse João e voltou-se para a religião católica. "A fé dá-me uma serenidade interior muito grande. É uma força que nos leva à adesão a determinados princípios e valores", explicou.
A secretária de Maria Barroso, na Fundação Pro Dignitat, estava sempre cheia de livros. E ela, cheia de projectos. Apesar dos anos, sobressaía a vitalidade com que se empenhava nas suas causas. E a vontade de fazer.
Um dia, numa conversa, a propósito da chegada do homem à Lua, comentou: "Vítor Hugo dizia que a utopia é amanhã. E é verdade. Aquilo que sonhamos, acabamos por conseguir com persistência e vontade". Maria Barroso praticou esta teoria ao longo da sua vida.
Obrigado pelas conversas. Foi muito gratificante tê-la conhecido.