Opinião
Código bruxelês
A Comissão Europeia tem um código bruxelês com um grau de encriptação tão sofisticado que se torna completamente indecifrável, até para os próprios. Esta semana, Portugal foi brindado com dois exemplos da excelência deste código. O primeiro tem a ver com o Novo Banco, o segundo está relacionado com a TAP.
Fundamentada nesse código, a Comissão Europeia impôs uma condição indecifrável para aceitar a venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star. O Estado pode ficar com 25% do capital do banco, mas não tem direito a voto nem pode nomear qualquer administração para a instituição. De uma penada, Bruxelas passa um atestado de incompetência ao Estado, exige-lhe que ele partilhe os riscos de bico calado e dá armas argumentativas aos muitos que se opõem a esta solução para o Novo Banco.
Esta imposição levanta um par de estranhezas. Uma resulta de não se perceber a vantagem desta inibição para a Comissão Europeia, a outra tem a ver com o facto de o Governo acatar sem um respingo esta exigência, a não ser que considere matreiramente que o actual presidente do Novo Banco, António Ramalho (que a Lone Star se comprometeu a manter), será o seu representante não-oficial na administração. Em todo o caso, o Estado corre o imenso perigo de ficar sozinho no quarto a brincar com uma posição de 25% que não lhe serve para nada.
Agora o código bruxelês aplicado à TAP. A 21 de Maio de 2016, o Governo fechou o acordo com a Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, que permitiu ao Estado ficar com 50% da TAP, fazendo assim marcha atrás na privatização de 2015 que tinha concedido àquele consórcio 61% da companhia aérea. "As decisões estratégicas da empresa, todas elas, passarão pelo Estado", anunciou após a assinatura do acordo o ministro das Infra-estruturas, Pedro Marques. Na ocasião, o governante sublinhou ainda que a participação do Estado iria tornar "muito mais fácil" a reestruturação da dívida da companhia.
Estes objectivos foram assumidos publicamente, sem que a Comissão Europeia levantasse qualquer tipo de objecção. Praticamente um ano depois, Bruxelas veio esta semana a terreiro manifestar as suas dúvidas sobre o controlo de gestão da TAP, argumentando que os contornos da operação feita com privados não são claros, e mostra-se preocupada com a pressão desta solução sobre a dívida pública.
Nestas circunstâncias é legítimo questionar o que levou a Comissão Europeia, passados todos estes meses, a despertar de um ressonar profundo e a levantar dúvidas sobre um negócio relativamente ao qual tinha mantido até agora a conduta de Harpócrates, o deus grego do silêncio. O código bruxelês é assim mesmo. Demasiado altivo e brilhante, para ser compreendido pelo comum dos mortais.