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A economia e a TV da sala

Em 1995, no primeiro Governo de António Guterres, a participação de um jornalista de economia numa visita ao estrangeiro do primeiro-ministro, era uma bizarria.

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Em 1995, no primeiro Governo de António Guterres, a participação de um jornalista de economia numa visita ao estrangeiro do primeiro-ministro, era uma bizarria. A política dominava as agendas, a economia era um tema secundário, os negócios eram assuntos de diminuta relevância e nem a entrada de Portugal na então CEE tinha alterado as coisas. Antes pelo contrário. Os fundos de Bruxelas enchiam muitas carteiras, transmitiam sinais de prosperidade e permitiam comportamentos de opulência que não deixavam espaço para não pensar num futuro que não fosse risonho.

Passados 22 anos, com um resgate pelo meio, problemas crónicos nas contas públicas, intervenções em quatro bancos (BPN, BPP, Banif e BES), aumento de impostos, congelamentos de carreiras, falências, etc, a economia passou a surtir um efeito igual ao que uma televisão tem numa sala, tornou-se o centro das atenções.

O valor do défice ou um Orçamento passaram a ser, com toda a naturalidade, "breaking news". A crise financeira de 2008 fez da economia uma super-estrela à escala mundial e, por cá, a austeridade sublinhou essa relevância, transformando-a numa coisa tangível. Sem esquecer, claro está, o papel de "big brother" crescentemente assumido da Comissão Europeia.

Até na avaliação da geringonça, o que faz a máquina andar, com mais ou menos eficiência, são os assuntos de índole económica, sejam eles o Novo Banco ou a redução dos precários na Função Pública. O equilíbrio não se faz por cedências ou compromissos ideológicos, mas sim através de cálculos contabilísticos e das colunas do deve e haver.

É por isso, com estranheza, mas sem surpresa, que se vê um Governo PS, com o apoio de dois partidos ainda mais à esquerda, cortar no investimento público para mínimos históricos, e o centro-direita a criticá-lo por conseguir cumprir a meta do défice com recurso a esta estratégia. Ou que se vê o actual ministro das Finanças, Mário Centeno (como o fizera, outros antes dele), classificar o Programa de Estabilidade, aprovado quinta-feira, como "rigoroso", um adjectivo que só é possível de aplicar partindo do princípio de que todas as variáveis são imutáveis. O que nunca aconteceu, nem acontecerá também desta vez.

O problema é que, ao longo deste período, a natureza exacta da economia foi sobrepondo-se à sua condição de ciência social, criando-se erradamente um dogma da infalibilidade que tem sido, em muitas e várias circunstâncias, o caixão de muitos políticos. O Programa de Estabilidade, tal como um Orçamento, são guiões. Olhar para eles como bíblias, é meio caminho andado para distorcer o sistema social, do qual a economia é apenas uma parte.

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