Opinião
É preciso mudar o chip
O debate sobre a concessão de crédito às empresas aqueceu nos últimos dias. Passos Coelho deu o mote ao afirmar que o Governo iria sensibilizar "activamente" os bancos onde tem maior poder – a CGD e os que receberam ajuda do Estado – para que aumentassem os empréstimos às PME. Os responsáveis da banca, diga-se, não gostaram do reparo. Dizem que o problema está na procura. No caso, na falta dela. Discute-se o ovo e a galinha. E não o essencial: como resolver a descapitalização crónica do tecido empresarial português.
O crédito foi, durante mais de uma década, a solução apresentada pelos bancos às PME que os procuravam com um projecto de investimento. O resultado é um sector empresarial com uma dívida superior a 180% do PIB, uma das mais altas do mundo.
Este vício no crédito está a levar as empresas para um círculo vicioso, como lhe chamou o presidente da CMVM. Os juros elevados geram prejuízos, que comem o capital, aumentam o risco e agravam o custo do financiamento seguinte. Para o quebrar, é preciso que as PME reforcem os capitais próprios.
A economia portuguesa dificilmente recuperará de forma sustentada se os bancos não abrirem a torneira do financiamento. Mas ele será sempre mais escasso do que no passado. Isso tem um lado bom. O crédito será concedido com melhor critério e uma gestão de risco mais cuidada. Mas não haverá financiamento bancário para todos os projectos. Terá de haver alternativas, que mais uma vez terão de passar pelo reforço de capitais próprios e pelo mercado de capitais.
O problema é que essas alternativas não estão estruturadas. Muito por culpa da banca, sempre mais lesta a dar crédito do que a promover outras soluções. Os bancos de investimento portugueses quase só se interessam pela montagem de grandes operações de financiamento, aumentos de capital ou a assessoria de processos de consolidação de cotadas. Num país de PME, não há uma banca de investimento vocacionada para elas.
Outra fragilidade estrutural tem a ver com a quase inexistência de instrumentos vocacionados para o reforço de capital das empresas. O capital de risco em Portugal é ainda incipiente quando comparado com outros países europeus. A indústria de fundos também, e emagreceu muito nos últimos anos, por não ser independente e estar sob a alçada dos bancos.
Por último, a dispersão do capital em bolsa esbarra no desinteresse da banca em a promover como alternativa. E, diga-se, na mentalidade dos empresários, avessos a partilharem os números do seu negócio.
Esta debilidade estrutural demora anos a corrigir. Ninguém espera que as PME encontrem com facilidade quem entre no seu capital. Mas tem de se começar por algum lado, criando condições para que o financiamento bancário deixe de ser uma fatalidade. É preciso que todos mudem o chip: a banca, os empresários e os políticos.
*Editor de Mercados Financeiros
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