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A economia da casa própria

Quando a troika por cá aterrou quis acabar com essa bizarria da casa própria, causa-mestra do elevadíssimo endividamento das famílias. Hoje é seguro dizer que o plano falhou.

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Não foi porque não se tentasse. Tiraram-se incentivos: as deduções fiscais para os juros do crédito à habitação terminaram para os novos contratos. Criaram-se alternativas: avançou legislação para criar um mercado de arrendamento com mais oferta.


Em vão, porque vieram outros incentivos: taxas de juros ultrabaixas. E as alternativas falharam: o alargamento do mercado de arrendamento foi uma miragem, seja pela ineficiência da nova legislação, seja porque a explosão do alojamento local absorveu a pouca oferta que apareceu. O valor das rendas disparou, em particular em Lisboa e Porto. A ponto de ser mais barato ficar a pagar uma prestação.

O rabo da pescadinha vai parar à boca dos bancos. Se depois do eclodir da crise passaram a exigir condições equivalentes a colocar à porta do balcão uma tabuleta a dizer "não damos crédito à habitação", as restrições afrouxaram muito nos últimos anos. Os "spreads" vieram por aí abaixo e volta a ver-se uma competição para ver quem oferece o mais baixo. Emprestar 80% e 70% da avaliação da casa é o novo normal, porque os preços voltaram a estar em alta.

Não, não estamos de volta aos absurdos anos 2000 dos "spreads" quase zero. O crédito voltou a jorrar, mas a amortização é tão forte que o saldo dos empréstimos à habitação no balanço dos bancos continua a encolher. A questão é que os hábitos não mudaram e por este andar podemos vir a cair na mesma esparrela.

O Banco de Portugal veio dizer esta terça-feira que teme que as boas notícias económicas e a saudável confiança que o país respira levem as instituições financeiras e os seus clientes a deslumbramentos. Vai daí, obrigou os bancos a testarem uma subida significativa das taxas de juro com os clientes, antes de lhes concederem um empréstimo, segundo consta do Relatório de Estabilidade Financeira. E fez bem. Como se costuma escrever, as taxas estão "historicamente baixas". A reversão para a média acabará por acontecer e a média é bem mais alta.

Ter casa própria foi uma conquista do pós-25 de Abril que entretanto se enraizou nas aspirações dos portugueses. E enquanto não existirem incentivos económicos que tornem racionais alternativas, não deixaremos de ir bater à porta do banco. E isso tem vantagens – a riqueza das famílias portuguesas compara bem na Europa por causa do património imobiliário –, mas também inconvenientes. Sobreexposição da poupança a um mesmo activo, o investimento das famílias absorvido por bens não produtivos, sobreendividamento. A mudança que se pretendia não era por pirraça do FMI ou da Comissão Europeia. É porque é uma vulnerabilidade.
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