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Robert Shiller - Economista 04 de Abril de 2016 às 20:30

O carácter nacional russo é autoritário?

A agressão russa contra a Ucrânia e o consentimento público russo ao controlo governamental directo sobre as notícias dos media levam muita gente a questionar-se sobre se os russos são predispostos ao autoritarismo.

A agressão russa contra a Ucrânia e o consentimento público russo ao controlo governamental directo sobre as notícias dos media levam muita gente a questionar-se sobre se os russos são predispostos ao autoritarismo. Esta parece ser uma questão sensível. Mas eu aprendi com a experiência que temos de ser muito cuidadosos quando se trata de chegar a conclusões acerca do carácter nacional partindo de eventos isolados.

 

Em 1989 fui convidado para uma conferência sobre economia em Moscovo, então na União Soviética, patrocinada conjuntamente pelo think thank soviético IMEMO (agora chamado de Primakov Institute of World Economy and International Relations) e pelo norte-americano National Bureau of Economic Research. Tais conferências conjuntas foram parte de históricos progressos, resultantes do degelo nas relações entre os Estados Unidos e a União Soviética. Os economistas soviéticos pareceram entusiásticos acerca da transição para uma economia de mercado e eu fiquei espantado pela forma aberta como eles falaram connosco durante os intervalos e o jantar.

 

Mas, de forma significativa, durante a conferência os soviéticos expressaram sérias dúvidas de que o povo russo algum dia permitiria que um mercado livre funcionasse. Sustentando que os russos veriam como erradas, injustas e intoleráveis acções individuais de mercado.

 

Conheci um dos mais jovens economistas do IMEMO, Maxim Boycko, e fiquei impressionado pela sua sinceridade e intelecto (mais tarde ele tornou-se vice-primeiro-ministro russo e ministro do Património do Estado durante a presidência de Boris Yeltsin, deixando o Governo russo antes de Vladimir Putin chegar ao poder e, recentemente, veio para os Estados Unidos onde é professor de Economia em Harvard e em Brown). Tivemos uma conversa animada. Eu disse-lhe que muitos americanos também pensam que as práticas capitalistas são injustas. Eram as atitudes nos dois países realmente diferentes?

 

Segundo parece nunca alguém conduzira um estudo de opinião sobre tais atitudes. Em 1989, contudo, era possível fazer precisamente isso. Decidimos nesse momento levar a cabo um cuidadoso questionário de pesquisa comparando atitudes em relação aos mercados livres.

 

Depois de trabalhar sobre as subtilezas das traduções e possíveis associações estranhas que pudessem influenciar as respostas dos inquiridos, chegámos a um conjunto de questionários virtualmente idênticos tanto em russo como em inglês. Em 1990, aplicámos o inquérito (com o apoio do especialista ucraniano em sondagens Vladimir Korobov) em Nova Iorque e em Moscovo e publicámos os nossos resultados na American Economic Review, em 1991, e no jornal do IMEMO, MEIMO, em 1992.

 

As diferenças que encontrámos relativamente às atitudes face aos mercados livres foram de uma forma geral pequenas, sendo difícil que estas fizessem sentido quando comparadas segundo termos de autoritarismo e democracia. Perguntámos, por exemplo, "Num feriado, quando há uma grande procura de flores, os seus preços habitualmente sobem. É justo que os floristas subam assim os preços?", e tal como os economistas do IMEMO previram, a maioria (66%) dos inquiridos em Moscovo consideraram injusto. Mas houve uma surpresa: Em Nova Iorque foram registados resultados virtualmente idênticos (68% consideraram injusto).

 

Por isso decidimos, no ano passado, tentar perceber se esta similaridade entre Moscovo e Nova Iorque persiste nos dias de hoje ou se, tendo em conta o ressurgimento do autoritarismo na Rússia actual, as atitudes relativamente aos mercados se tornaram mais negativas. Aplicámos um questionários idêntico em duas cidades em 2015. Apresentámos os resultados no encontro anual da American Economic Association, em Janeiro último.

 

Na pergunta sobre flores, encontrámos pequenas mudanças de atitude em Moscovo (67% dizendo que o aumento dos preços nos feriados é injusto). Em Nova Iorque, pelo contrário, a opinião pública tornou-se algo mais pró-mercado (com 55% dos inquiridos a considerarem que a subida de preços é injusta).

 

Para a nossa pesquisa de 2015, Boycko e eu decidimos examinar os comportamentos em relação à própria democracia. Afortunadamente, conseguimos encontrar um estudo conduzido em 1990 pelos cientistas políticos James Gibson, Raymond Duch e Kent Tedin (GDT), que colocava questões em Moscovo que, como as nossas, procuravam aferir valores básicos para lá de slogans. E apesar de não terem feito a comparação com Nova Iorque, decidimos acrescentá-las em 2015.

 

Surpreendentemente, a maior parte dos resultados relativos aos valores democráticos não suportam a ideia de que os russos preferem governos fortes e autoritários. Por exemplo, GDT perguntaram, em 1990, se os inquiridos concordavam com a afirmação "A imprensa deve estar protegida pela lei face a perseguições governamentais". Apenas 2% discordaram em 1990; em 2015, os russos estavam substancialmente mais inclinados para discordar (20% fizeram-no), sugerindo um declínio dos valores democráticos. Mas a verdadeira surpresa nos nossos resultados de 2015 em Nova Iorque prende-se com a mesma questão: 27% discordaram. Hoje, os nova-iorquinos parecem menos favoráveis da liberdade de imprensa do que os moscovitas!

 

De todas a maior diferença entre Moscovo e Nova Iorque surgiu na afirmação de GDT "É melhor viver numa sociedade com regras restritas do que dar tanta liberdade que permita às pessoas destruir a sociedade". Em 1990, 67% dos moscovitas concordaram e 76% concordaram em 2015, enquanto em Nova Iorque, em 2015, apenas 36% concordaram. Talvez isto seja importante, embora seja um valor que se afasta dos restantes – representa a maior diferença entre Moscovo e Nova Iorque em todo o nosso inquérito.

 

De forma geral, apesar de existirem diferenças, os resultados não sustentam fortemente a ideia de que os eventos recentes têm a simples explicação das diferenças de atitude relativamente aos mercados livres e autoritarismo. É errado escrever que a Rússia é fundamentalmente diferente do Ocidente. Em 1991, concluímos que o carácter nacional russo não era um obstáculo à criação de uma economia de mercado na Rússia – e ficou provado que estávamos certos. Esperamos estar novamente certos ao pensar que o carácter nacional não irá impedir a Rússia de, algum dia, se tornar numa sociedade verdadeiramente democrática.

 

Robert J. Shiller, prémio Nobel da Economia em 2013 e professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor, com George Akerlof, do Phishing for Phools: The Economics of Manipulation and Deception.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org 

Tradução: David Santiago

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