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Robert Shiller - Economista 25 de Agosto de 2016 às 20:00

A hesitação da economia mundial

Alguns tipos de histórias que circulam hoje - relacionadas com o crescente nacionalismo ou com o medo que os imigrantes desafiem os valores culturais tradicionais - podem sustentar uma maior hesitação.

As desacelerações económicas podem ser caracterizadas muitas vezes como períodos de hesitação. Os consumidores hesitam em comprar uma casa ou um carro novo, pensando que o carro velho e a casa ainda servem por mais tempo. Os gestores hesitam em expandir a sua força de trabalho, comprar um novo edifício de escritórios, ou construir uma nova fábrica, à espera de notícias que os façam parar de ter receio de se comprometer com novas ideias. Visto dessa perspectiva, quão preocupados devemos estar com os efeitos da hesitação?

 

A hesitação é muitas vezes como a procrastinação. Uma pessoa pode ter dúvidas e sentir a necessidade de meditar sobre as coisas; ao mesmo tempo, outras questões intrometem-se no pensamento e não se toma nenhuma decisão. Se perguntarmos às pessoas porque é que procrastinam, provavelmente não teremos uma resposta nítida.

 

Como é que esse comportamento se torna suficientemente generalizado para provocar uma crise económica? Na verdade, as razões para adiar actividades que estimulariam a economia pode ser difícil de discernir.

 

Pensa-se, em primeiro lugar, na reacção de outras pessoas que estão hesitantes. Os efeitos de rendimento e a psicologia de massas podem amplificar a vacilação individual. Mas deve ter havido algum factor inicial que accionou o ciclo de retroalimentação - alguma fonte subjacente de hesitação.

 

A perda de "confiança" económica é uma causa possível. Os índices de confiança, disponíveis desde os anos 1950, baseiam-se em sondagens que perguntam aos consumidores ou empresários quais são as suas percepções da actividade empresarial, bem como as expectativas quanto a resultados futuros e ao emprego.

 

"Incerteza" sobre a política económica é outra possível fonte de hesitação. Se os empresários não sabem que regulamentos, impostos, ou pior, nacionalizações, estarão para vir, podem hesitar. A ideia é antiga, expressa durante a Grande Depressão da década de 1930; mas não foi bem medida, pelo menos até há pouco tempo.

 

Num documento de trabalho de 2015, os economistas Scott R. Baker, Nicholas Bloom e Steven J. Davis construíram índices de Incerteza sobre a Política Económica (EPU, na sigla original) para uma dúzia de países utilizando arquivos de notícias digitais. Os índices (que cobrem o Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Itália, Japão, Rússia, Coreia do Sul, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos) foram criados através da contagem do número de artigos de jornais em cada país e em cada mês, que tinham o trio de termos "economia" (E), "política" (P) e "incerteza" (U).

 

O índice de cada mês consistia no número total de artigos com essas três palavras, dividido pelo número total de artigos nos jornais considerados, a cada mês. Falantes nativos de cada país foram consultados sobre as traduções apropriadas das três palavras. Os índices estenderam-se por décadas e em dois países, Estados Unidos e Reino Unido, recuaram a 1900. O índice dos Estados Unidos correlaciona-se com a volatilidade implícita dos preços das acções nos mercados de opções (VIX).

 

Os economistas descobriram que os seus índices EPU prenunciam contracções económicas em 12 países e que, para os dois países com índices de longo prazo, os valores EPU foram elevados durante a Grande Depressão. Mas as contracções causam incerteza, perguntam eles, ou a incerteza causa contracções? Dado que sabemos que as pessoas são altamente reactivas umas com as outras, a causalidade mais provável funciona em ambos os sentidos, num circuito de retorno.

 

A questão mais profunda e mais interessante diz respeito ao que inicia esta incerteza. Responder a isso requer caracterizações impressionistas das histórias e ideias existentes que podem influenciar a opinião pública sobre a economia.

 

Quanto à Grande Depressão, questionamo-nos se o nível elevado de EPU estava ligado a tendências sociais após os excessos dos anos 1920, alimentando o medo do comunismo e, nos Estados Unidos, do New Deal. Questionamo-nos se o medo dos regimes fascistas e de uma guerra prolongou a depressão depois de Hitler ter chegado ao poder em 1933. A atenção dedicada ao livro de 1934, de Johannes Steele, A Segunda Guerra Mundial, que previu esse mesmo evento, indica que o medo da guerra deve ter sido falado o suficiente para sustentar alguma hesitação. Para as pessoas que viveram a Primeira Guerra Mundial, o pensamento de uma sequela deve ter parecido um pesadelo.

 

Obviamente, não pode ser provado se a Grande Depressão foi muito prolongada por estas histórias ou ideias. Como é que sabemos que histórias estavam a afectar o pensamento das pessoas? Por outro lado, podemos estar certos de que algumas dessas histórias afectam realmente a incerteza económica percepcionada

Os psicólogos têm mostrado que as pessoas revelam uma "heurística afectiva", ou uma tendência para marcar memórias com emoções e deixar que as emoções afectem a tomada de decisões, mesmo quando a decisão não está relacionada com o que causou as emoções. Uma incompatibilidade de emoções pode provocar disfunção executiva, incapacidade de agir, hesitação.

 

Alguns tipos de histórias que circulam hoje - relacionadas com o crescente nacionalismo ou com o medo de que os imigrantes desafiem os valores culturais tradicionais - podem sustentar uma maior hesitação. O referendo sobre o Brexit, no Reino Unido, foi visto em todo o mundo como um sinal de instabilidade política. O aumento da incidência do terrorismo acrescentou um ângulo emocional vívido a esses desenvolvimentos.

 

Será que esses medos vão alimentar a hesitação económica, ao ponto de provocar uma recessão mundial? Qualquer resposta neste momento seria impressionista e imprecisa. Contudo, dada a importância das consequências, não devemos deixar de considerar como tais temores estão a afectar a tomada de decisões económicas.

 

Robert J. Shiller, prémio Nobel da Economia em 2013 e professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor, com George Akerlof, do Phishing for Phools: The Economics of Manipulation and Deception.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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