Opinião
A questão para a Europa em 2016
A Europa precisa de mais cooperação, integração, partilha de riscos e solidariedade. Em vez disso, os europeus parecem estar a optar pelo nacionalismo, balcanização, divergência e desintegração.
Neste início de ano, deparamo-nos com um mundo onde se multiplicam os riscos geopolíticos e geoeconómicos. A maior parte do Médio Oriente está a ferro e fogo, intensificando a especulação de que a qualquer momento pode ter início uma longa guerra entre sunitas e xiitas (como a Guerra dos Trinta Anos na Europa, entre católicos e protestantes). A ascensão da China está a fomentar um amplo leque de disputas territoriais na Ásia e a desafiar a liderança estratégica dos EUA na região. E ainda que a invasão russa da Ucrânia se tenha aparentemente convertido num conflito semi-latente, poderá reactivar-se a qualquer momento.
Há igualmente que contar com o risco de aparecimento de uma nova epidemia, tal como o demonstraram nos últimos anos os surtos de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente), Ébola e outras doenças infecciosas. Existe também a ameaça latente da ciberguerra, ao mesmo tempo que intervenientes e grupos não-estatais lançam o caos e provocam conflitos do Médio Oriente à África setentrional e subsaariana. Por último, mas não menos grave, há que não esquecer as alterações climáticas, que estão já a causar estragos significativos, com um aumento da frequência e poder letal dos fenómenos meteorológicos extremos.
No entanto, é a Europa que poderá tornar-se, este ano, o local de todos os perigos geopolíticos. Para começar, a saída da Grécia da Zona Euro pode ter sido apenas adiada, não evitada, uma vez que as mudanças nos sistemas de pensões e outras reformas estruturais colocam o país em rota de colisão com os seus credores europeus. A "Grexit", por seu lado, poderia ser o início do fim da união monetária, já que os investidores poderiam começar a questionar-se sobre qual seria o próximo Estado-membro a sair – possivelmente até mesmo um país "core", como a Finlândia.
Em caso de "Grexit", a possibilidade de saída do Reino Unido da União Europeia ("Brexit") deverá ganhar terreno. Em comparação com o que acontecia há um ano, a probabilidade de um "Brexit" intensificou-se, e por diversas razões. Os recentes ataques terroristas e a crise migratória na Europa levaram o Reino Unido a isolar-se ainda mais. Sob a liderança de Jeremy Corbyn, o Partido Trabalhista britânico tornou-se mais eurocéptico. E o primeiro-ministro David Cameron também se colocou numa posição difícil ao exigir à UE reformas que nem mesmo os alemães – que são sensíveis ao Reino Unido – podem aceitar. Muitos britânicos vêem a União Europeia como um barco a afundar-se.
Se o Reino Unido sair da UE, poderão cair outras peças do dominó. A Escócia pode decidir sair do Reino Unido, levando a um desmoronamento da Grã-Bretanha. Isso poderia inspirar outros movimentos separatistas – talvez começando pela Catalunha – no sentido de insistirem na sua independência. E os Estados nórdicos membros da União Europeia poderiam decidir que, com o Reino Unido de fora, também eles fariam melhor em sair.
Quanto ao terrorismo, o elevado número de jihadistas europeus mostra que, para a Europa, a questão não é saber se vai haver um novo atentado, mas sim quando e onde. E os repetidos ataques poderão reduzir drasticamente a confiança dos empresários e dos consumidores e deixar em ponto morto a frágil retoma económica da Europa.
Aqueles que dizem que a crise migratória também coloca uma ameaça existencial à Europa têm razão. Mas o problema não está no milhão que chegaram à Europa em 2015. Está nos 20 milhões que ainda estão deslocados, desesperados e a tentar fugir da violência, da guerra civil, da falência do Estado, da desertificação e do colapso económico registados em inúmeras regiões do Médio Oriente e de África. Se a Europa não conseguir encontrar uma solução coordenada para este problema e o respeito efectivo pela sua fronteira externa comum, o Tratado de Schengen ruirá e ressurgirão as fronteiras internas entre os Estados-membros da UE.
Enquanto isso, ao cansaço derivado da austeridade e das reformas que se verifica na periferia da Zona Euro – e em membros da UE que não fazem parte da Zona Euro, como a Hungria e a Polónia – contrapõe-se o cansaço dos países "core" face à multiplicação de programas de resgate. Em toda a Europa assistimos à ascensão de partidos populistas de esquerda e de direita – com a sua hostilidade perante o comércio livre, a migração, os muçulmanos e a globalização.
Na Grécia, o Syriza está no poder; Portugal é governado por uma coligação de esquerda; e as eleições em Espanha poderão levar a um elevado grau de incerteza política e administrativa. Partidos virulentamente xenófobos e anti-muçulmanos estão a ganhar popularidade no núcleo da Europa, incluindo Holanda, Dinamarca, Finlândia e Suécia. Nas eleições francesas de Dezembro, a Frente Nacional de extrema direita esteve perto de chegar ao poder em várias regiões, e a sua líder, Marine Le Pen, poderá conseguir uma boa prestação nas eleições presidenciais de 2017.
Além disso, em Itália o primeiro-ministro Matteo Renzi sofre os embates de dois partidos populistas anti-euro. E a liderança da chanceler alemã, Ângela Merkel, está ameaçada depois da sua corajosa – mas controversa – decisão de permitir a entrada no país de quase um milhão de requerentes de asilo.
Em suma, o fosso entre o que a Europa precisa e o que os europeus querem está a aumentar. Algo que pode ser o prenúncio de grandes problemas em 2016. A Zona Euro e a União Europeia confrontam-se com múltiplas ameaças e todas elas exigem uma resposta colectiva. Mas, vemos os Estados-membros cada vez mais focalizados em abordagens nacionais, em defesa do interesse próprio, minando assim a possibilidade de soluções à escala europeia (a crise migratória é disso um exemplo trágico).
A Europa precisa de mais cooperação, integração, partilha de riscos e solidariedade. Em vez disso, os europeus parecem estar a optar pelo nacionalismo, balcanização, divergência e desintegração.
Nouriel Roubini é "chairman" da Roubini Global Economics e professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2016.
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Tradução: Carla Pedro