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14 de Janeiro de 2016 às 20:30

Benefícios sociais na era do Uber

Num tempo em que qualquer serviço digital se torna cada vez mais personalizado, porque é que a política social se tem de manter confinada à filosofia e às soluções do século XX?

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Quando se trata de uma indeminização, é muitas vezes mais importante a empresa para onde se trabalha do que o que se vale como trabalhador ou se se é bom no que se faz. Em 2013, um trabalhador médio na Goldman Sachs, o banco de investimento, ganhava 383 mil dólares por ano – muito mais do que qualquer trabalhador de alta performance na maioria das empresas pode sonhar levar para casa.

 

As diferenças de salário entre empresas são consideráveis. Um estudo de Jason Furman, o conselheiro-chefe económico do presidente Barack Obama, e Peter Orszag, antigo director do orçamento, concluíram que o aumento das diferenças de remuneração são a causa principal do alargamento das desigualdades salariais nos EUA nas últimas décadas. E são responsáveis por uma grande parte do aumento geral da desigualdades de rendimento, mais do que as diferenças de remuneração nas empresas, ou o rendimento de capitais.

 

Na outra ponta do espectro, muitos dos participantes na força de trabalho estão com contractos temporários, trabalham para pequenas empresas, ou são trabalhadores por conta própria. Alguns conjugam diferentes empregos ao mesmo tempo. Se, como muitos esperam, a chamada economia de partilha se desenvolver, este número tenderá a aumentar. Estes trabalhadores não beneficiam de segurança no trabalho e no geral ganham bastante menos.

 

Os países emergentes dão o exemplo das desigualdades flagrantes entre trabalhadores na economia formal – empresas como a Petrobras no Brasil e a Infosys na Índia – e os que trabalham na economia informal. Mas mesmo em economias avançadas, onde a protecção social tem um alcance mais amplo, o acesso a benefícios está longe de ser equitativo. Trabalhadores de empresas grandes e rentáveis, tendem a ter melhor cobertura de saúde, pensões mais generosas e acesso mais fácil a formação. Além disso, benefícios – por exemplo, licença parental - estão sujeitos a antiguidade dentro da mesma empresa.

 

Estes são factos perturbadores. Talento e esforço deveriam ser recompensados, mas duas pessoas com iguais capacidades e dedicação não deveriam ser tratadas de modo diferente apenas porque acontece um deles ter o trabalho assegurado numa grande empresa de sucesso e o outro não.

 

Estas diferenças são discutíveis e não apenas em termos de equidade, também são economicamente ineficientes porque tendem a limitar a mobilidade laboral entre empresas e sectores. Trabalhadores pensam duas vezes antes de deixar a empresa se tiverem sujeitos a perder benefícios como consequência. Isso impede também combinações potencialmente positivas de competências necessárias aos e para os trabalhadores. Torna também extremamente difícil a contratação de talentos de primeira linha às pequenas empresas.

 

Políticas públicas não devem impedir companhias de sucesso de pagarem mais e oferecerem melhores condições de trabalho. Mas deveriam assegurar que todos os participantes na força de trabalho, seja qual for seu estatuto, de usufruir de igual acesso a benefícios essenciais, e deverá visar reduzir ao mínimo o que impede a mobilidade entre empresas, sectores e categorias de emprego.

 

A reforma do sistema de saúde de Obama foi um passo importante nesta matéria. Mas a reforma da segurança social deve ir mais longe. Por razões de equidade, mas também por razões de eficiência, direitos e benefícios devem ser associados aos indivíduos e não a empresas ou o estatuto de empregado, e deveriam ser transferidos transversalmente na totalidade entre sectores e empregos.

 

Para conciliar o seu sistema de segurança social com uma economia em mudança e reduzir as desigualdades entre indivíduos, França está actualmente a estudar um modelo da chamada Contabilidade da Actividade Individual - Individual Activity Accounts (IAAs, sigla em inglês). A minha colega Selma Mahfouz presidiu a um grupo de trabalho que preparou o projecto para este modelo.

 

Posto de uma maneira simples, cada nova entrada na força de trabalho estaria equipada com uma conta individual vitalícia, acumulando assim créditos da mesma maneira que se acumulam milhas de uma companhia aérea. Válida tanto no trabalho para o sector público como para o privado. Profissões sujeitas a desgaste físico teriam mais pontos que trabalhos de escritório. Trabalho pro bono ao serviço da comunidade também geraria pontos – até talvez mais do que trabalhos remunerados.

 

Os pontos acumulados poderiam ser gastos em educação e formação profissional ao longo da vida, que deste modo tornar-se-ia independente do estatuto profissional. Cada pessoa poderia decidir como recorrer à sua IAA, para se preparar, ou se mudar para um novo emprego.

 

Outros métodos de financiamento podiam ser também ser mobilizados para o mesmo fim. Por exemplo, um trabalhador poderia decidir encurtar a duração do seu subsídio de desemprego e investir os pontos correspondentes do benefício em formação profissional para fazer aumentar as suas oportunidades de emprego.

 

Mas a questão do financiamento da formação profissional não devia ser o único propósito. Os créditos também poderiam ser usados para ajudar projectos de voluntariado ou cuidar de familiares mais idosos. Os créditos ganhos em trabalho árduo podiam ser gastos em reforma antecipada. E muitos mais exemplos de substituição parcial podem ser concebidos.

 

Um sistema assim teria três benefícios adicionais. O primeiro, contribuiria para melhorar o acesso à informação. Actualmente, os trabalhadores, ficam por vezes perdidos na complexidade dos vários benefícios sociais a que têm direito. A criação do IAA e a adopção de uma única conta centralizada faria o caminho no sentido de uma maior simplificação, principalmente se toda a informação individual relevante estiver disponível ao utilizador via uma única aplicação do seu smartphone.  

 

Segundo, o IAA confere poderes aos trabalhadores, especialmente aos menos qualificados, que se sentem frequentemente subjugados pelo Estado. Em conjunto com a informação, a possibilidade de investir os seus benefícios sociais, em vez de apenas os consumirem, poderia fortalecer a sua autonomia e a liberdade de escolha.

 

Finalmente, poderia servir de modelo para políticas públicas. Por exemplo, o abandono escolar precoce poderia ser dotado de créditos para uso posterior em formação profissional. Em termos gerais, em vez de uma assistência aos trabalhadores apenas quando os riscos sociais se concretizam, as políticas públicas poderiam apoiar os indivíduos ao longo da sua vida profissional, adoptando uma abordagem mais feita à medida e que sirva as suas necessidades, em vez de um sistema de tamanho único que serve todos.

 

Isto pode soar utópico, e de certa maneira é. Mas num tempo em que qualquer serviço digital se torna cada vez mais personalizado, porque é que a política social se tem de manter confinada à filosofia e às soluções do século XX?

Jean Pisani-Ferry é professor na Hertie School of Governance em Berlim, e é actualmente Comissário-geral para as políticas de planeamento para o governo francês.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rosa Castelo

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