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O momento Bretton Woods da Europa

Mais concretamente, os chefes de Estado da Europa precisam de elaborar um acordo que derrube os silos conceptuais entre as questões económicas e a defesa, que é amplamente reconhecida como uma preocupação partilhada.

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Após anos de paralisia durante a crise da dívida que começou em 2009, a União Europeia parece ter recuperado alguma dinâmica. Em França, no ano passado, Emmanuel Macron e a sua La République En Marche! ganharam a presidência e uma forte maioria parlamentar. E na Alemanha, depois de uma longa espera, os sociais-democratas de centro-esquerda fizeram um acordo de coligação com a CDU de centro-direita e com a sua irmã bávara, a CSU.

 

A esperança agora é a de uma renovação da cooperação franco-alemã e um novo Tratado do Eliseu, que actualize o histórico acordo de 1963 negociado pelo chanceler alemão Konrad Adenauer e pelo presidente francês Charles de Gaulle. Um novo arranjo pode envolver mais gastos ao nível da UE e a superação de antigos tabus alemães contra uma "união de transferências".

 

Mas, para ter o efeito desejado, a visão franco-alemã para a Europa deve ser fresca e ousada o suficiente para captar o interesse das pessoas. Muitos europeus estão fartos de soluções tecnocráticas negociadas nos bastidores e invocações vazias de ideais universais. As pessoas precisam de ideais, mas também precisam de medidas sensíveis e concretas.

 

Consideremos algumas das grandes negociações do passado, não apenas em 1963, mas logo após a Segunda Guerra Mundial, quando os sistemas democráticos liberais foram reconhecidos. O mundo ganhou não só novas instituições, mas também uma nova maneira de pensar sobre a interconectividade social, política e económica. Para a Europa, a lição histórica é que é possível um esforço genuinamente concertado para abordar os imperativos institucionais e filosóficos.

 

Uma proposta promissora que está no acordo de coligação na Alemanha é para um novo Fundo Monetário Europeu (FME), supervisionado pelo Parlamento Europeu. Um FME poderia representar uma melhoria significativa na actual instituição intergovernamental de ajuda financeira da UE, o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Além disso, pode fornecer um modelo para outras partes do mundo. Na verdade, esforços semelhantes para vincular mecanismos de cooperação regional a instituições financeiras globais já estão em andamento na Ásia, através da iniciativa de troca de moeda de Chiang Mai e do Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas.

 

A Europa, por sua vez, ficou fixada em Bretton Woods, a conferência de 1944 em New Hampshire que, entre outras coisas, criou o Fundo Monetário Internacional e um sistema monetário internacional baseado em regras de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis. Desde a quebra do chamado sistema de Bretton Woods no início da década de 1970, França e Alemanha tentaram encontrar um equivalente a nível europeu.

 

Por exemplo, uma iniciativa de 1978 do presidente francês Valéry Giscard d'Estaing e do chanceler alemão Helmut Schmidt levou à criação de um sistema monetário europeu com taxas de câmbio fixas mas ajustáveis e previu a criação de um Fundo Monetário Europeu ao estilo FMI em dois anos. Mas o FME nunca chegou a nascer devido à oposição do Bundesbank alemão. E quando a ideia foi revisitada novamente durante a turbulência financeira do início da década de 1990 e na primeira fase da crise do euro, não ganhou mais força política do que no final da década de 1970.

 

Ainda assim, vale a pena voltar a olhar para a conferência de Bretton Woods, que respondeu à reacção negativa contra a globalização ao tratar a pobreza, a auto-suficiência e a guerra como fenómenos causalmente interligados. O projecto de pós-guerra do internacionalismo esclarecido permitiu que vários países alinhassem os seus interesses como agentes económicos e Estados e mercados integrados. O novo sistema foi, sem dúvida, baseado no idealismo, mas foi um idealismo que correspondeu a medidas e instituições concretas e realistas.

 

Para todos os países que não os Estados Unidos, o acordo do pós-guerra era, na verdade, uma espécie de camada de açúcar sobre a amarga pílula da hegemonia do dólar, que favoreceu as empresas e os trabalhadores americanos. E dentro dos EUA, Bretton Woods era uma camada de açúcar sobre a amarga pílula do internacionalismo, que contrastava com o isolacionismo do "América primeiro".

 

A questão agora é se um acordo semelhante pode abordar as preocupações actuais em relação à legitimidade dos processos políticos a nível europeu. Uma característica frequentemente ignorada da arquitectura original de Bretton Woods é que ela tentou vincular os interesses económicos e políticos com os interesses de segurança. Em 1944-1945, os cinco maiores accionistas do FMI e do Banco Mundial - os EUA, a União Soviética, o Reino Unido, a China e França - foram os mesmos países que acabariam com assentos permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas .

 

No entanto, após a revolução comunista na China e o fracasso da União Soviética em ratificar o Acordo de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial seguiram numa direcção diferente. A União Soviética e a República Popular da China foram excluídas (pelo menos inicialmente no caso da China), e o aspecto de segurança do acordo pós-guerra nunca se materializou. Agora é altura de a Europa o recuperar e criar um modelo de interconexão para o resto do mundo seguir.

 

Ao longo dos últimos oito anos, a maioria das propostas para lidar com a crise do euro tem sido arcana e excessivamente deformada. O que é necessário agora é uma grande negociação para vincular a economia e os grandes problemas de segurança de um mundo que está a ser levado por pessoas como o presidente russo Vladimir Putin e o presidente dos EUA, Donald Trump.

 

Mais concretamente, os chefes de Estado da Europa precisam de elaborar um acordo que derrube os silos conceptuais entre as questões económicas e a defesa, que é amplamente reconhecida como uma preocupação partilhada. É hora de trazer de volta o pensamento abrangente de 1944-1945, que colocou o bem colectivo acima dos interesses individuais.  

 

Harold James é professor de História e Relações Internacionais na Universidade de Princeton e membro sénior no Center for International Governance Innovation.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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