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Hans-Werner Sinn - Presidente do Instituto Ifo 28 de Março de 2018 às 14:00

A Europa não deve retaliar contra o proteccionismo dos EUA

A UE deve assegurar que é um verdadeiro bastião do livre comércio, mesmo se os Estados Unidos agirem como reduto do proteccionismo. Isto significa que não deve sacrificar os interesses dos seus cidadãos em benefício dos lóbis agrícolas de França nem das necessidades de financiamento da Comissão.

O presidente dos EUA, Donald Trump, está a cumprir a sua promessa de colocar a "América primeiro" através do proteccionismo comercial. Como é que a Europa deve responder?

 

Trump isentou temporariamente a Europa das suas novas tarifas sobre as importações de aço e alumínio. Mas a sua Espada de Dâmocles - elevadas tarifas sobre as importações - ainda paira sobre a Europa. Na verdade, Trump já se comprometeu a impor tarifas sobre os carros europeus - visando, em especial, a BMW e a Mercedes - para ajudar os fabricantes de automóveis dos EUA, mesmo que isso também prejudique os consumidores americanos. Como sempre, os consumidores são politicamente menos poderosos do que os produtores, já que as suas perdas per capita são menores do que os ganhos per capita dos produtores, e que enfrentam mais barreiras à acção colectiva.

 

A Comissão Europeia tem vindo a considerar tarifas retaliatórias sobre uma variedade de importações dos Estados Unidos – desde motas Harley Davidson a produtos alimentares como sumo de laranja e manteiga de amendoim - na esperança de que os produtores americanos afectados pressionem a administração Trump. Naturalmente, isso funcionou no momento, mas é uma estratégia errada.

 

A verdade é que as tarifas de retaliação são extremamente perigosas, já que se arriscam a provocar uma guerra comercial mais ampla. E, ao contrário das alegações erradas de Trump, as guerras comerciais não são boas para ninguém, já que minam a divisão do trabalho. Nem são "fáceis de ganhar". Muito pelo contrário: como as guerras convencionais, as guerras comerciais são impossíveis de vencer.

 

Para além deste risco geral de uma guerra comercial, há razões que levariam a Comissão Europeia, em particular, a perceber que as tarifas retaliatórias são um tiro que pode sair pela culatra. Para começar, poderiam levantar a suspeita de que a Comissão é motivada, pelo menos em parte, pelo desejo de obter mais receitas alfandegárias, como protecção contra uma crise financeira provocada pelo Brexit. Embora essas receitas sejam tidas em conta nas próximas negociações orçamentais com os países da UE, perguntas sobre os motivos da Comissão são a última coisa de que precisam.

 

Em qualquer caso, não se deve atirar pedras quando se vive numa casa de vidro. E a casa da UE é frágil: ela já impõe uma tarifa sobre as importações de carros dos EUA de 10%, que compara com a tarifa de 2,5% que os EUA têm para importações de carros da UE. Embora essa assimetria tenha surgido porque os EUA receberam mais protecções à propriedade intelectual por meio do chamado Acordo TRIPS, a verdade é que as tarifas prejudicam os interesses dos consumidores e, portanto, são injustificáveis.

 

A UE também cobra um imposto sobre a venda de bens importados à taxa do imposto sobre o valor acrescentado por razões sistémicas. E cobra taxas de importação extremamente altas para produtos agrícolas. Desde o início, a Comunidade Económica Europeia foi moldada por um mau compromisso entre a Alemanha e França: os agricultores franceses podiam cobrar preços excessivos e a Alemanha podia vender os seus produtos industriais para França.

 

O sistema de proteccionismo agrícola que este compromisso produz dura até hoje, podendo ser exemplificado pelas taxas aduaneiras de 69% na carne bovina e 26% na carne suína. Devido a estas elevadas tarifas de importação, os preços agrícolas europeus estão, em média, cerca de 20% acima dos níveis do mercado mundial. Isto sobrecarrega os consumidores em toda a UE, especialmente os mais pobres, que têm de gastar uma grande parte dos seus rendimentos em comida.

 

O proteccionismo agrícola da Europa também prejudica os países em desenvolvimento, que são incapazes de vender os seus produtos agrícolas - em muitos casos, os únicos bens que podem exportar - nos mercados europeus. De acordo com um estudo do economista canadiano John Whalley, as desvantagens do proteccionismo agrícola para os países em desenvolvimento superam os benefícios da ajuda ao desenvolvimento.

 

Os agricultores americanos também perdem, porque lhes é negado o acesso ao enorme mercado europeu. A esse respeito, Trump não está errado em criticar o proteccionismo da UE. A Europa está a bloquear o acesso a uma classe de bens - que é vital para a sobrevivência das pessoas - que pode ser importada de forma muito mais barata do que é produzida ao nível interno.

 

A UE deve assegurar que é um verdadeiro bastião do livre comércio, mesmo se os Estados Unidos agirem como reduto do proteccionismo. Isto significa que não deve sacrificar os interesses dos seus cidadãos em benefício dos lóbis agrícolas de França nem das necessidades de financiamento da Comissão. E, definitivamente, não deve envolver-se em ameaças transatlânticas.

 

Em vez disso, a Comissão Europeia deveria prosseguir uma estratégia de desescalada, oferecendo-se para reduzir as tarifas sobre as importações dos EUA e retomar as negociações sobre a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento. Isso permitiria a Trump proclamar a vitória em casa, enquanto elevava o padrão de vida europeu, libertando os consumidores europeus do jugo do proteccionismo agrícola da UE.

 

Hans-Werner Sinn, professor de Economia na Universidade de Munique, foi presidente do Instituto Ifo e é membro do conselho consultivo do Ministério da Economia alemão.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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