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Uma nova grande coligação para a Alemanha – e Europa

A decisão inicial do SPD de passar para a oposição, depois dos fracos resultados nas eleições de Setembro, poderá ter sido sincera e até mesmo estrategicamente justificada. Mas não era oportuna. A diplomacia está fracturada, um pouco por todo o lado.

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Os amigos da Alemanha e Europa, em todo o mundo, respiraram de alívio ante a disposição dos cristãos democratas (CDU) e social-democratas (SPD) alemães para negociar uma nova versão de um governo de grande coligação. O mundo precisa de uma Alemanha forte e decidida, numa União Europeia dinâmica. Uma nova grande coligação que trabalhe em conjunto com o governo do presidente francês, Emmanuel Macron, poderá tornar isso possível.

 

A decisão inicial do SPD de passar para a oposição, depois dos fracos resultados nas eleições de Setembro, poderá ter sido sincera e até mesmo estrategicamente justificada. Mas não era oportuna. A diplomacia está fracturada, um pouco por todo o lado.

 

Os Estados Unidos estão a braços com um presidente psicologicamente instável, um gabinete plutocrático e uma maioria republicana no Congresso. A Europa depara-se com múltiplas crises a nível económico, social, político e institucional. A China, em contrapartida, mostra-se dinâmica e aberta ao exterior – dando boas razões à União Europeia para assumir uma vigorosa liderança e iniciar parcerias construtivas com a China em iniciativas-chave (nomeadamente projectos de infra-estruturas sustentáveis na Eurásia).

 

Em suma, são tempos de importância crítica para que a Alemanha e a Europa ofereçam visão, estabilidade e liderança mundial. E esse imperativo estende-se ao Partido Democrata Cristão (CDU) da chanceler Angela Merkel, ao seu partido irmão da Baviera, a União Social Cristã (CSU), e ao SPD.

 

Mas a CDU/CSU e SPD devem fazer mais do que simplesmente renovar o governo anterior, que era demasiado provinciano em termos de perspectivas e temperamento. O mundo e a Europa precisam de uma Alemanha que olhe para o exterior e que ofereça mais inovação institucional e financeira, de modo a que a Europa possa ser uma verdadeira contraparte face as EUA e China em matéria de assuntos internacionais. Digo isto como alguém que crê firmemente no compromisso e na pioneira arte de governar da Europa em matéria de desenvolvimento sustentável, que é o principal requisito dos nossos tempos.

 

Um crescimento económico que é socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável é uma ideia muito europeia que hoje é globalmente acatada na Agenda 2030 das Nações Unidas e nos seus 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, assim como no Acordo de Paris sobre o Clima definido em 2015. A longa experiência da Europa com a social-democracia e com a democracia cristã tornou possível essa visão global. Mas agora que a sua agenda foi adoptada em todo o mundo, a liderança da Europa no seu cumprimento tornou-se essencial.

 

Um governo de grande coligação na Alemanha deverá ajudar a que a Europa assuma uma posição de liderança. O presidente francês, Emmanuel Macron, já apresentou algumas ideias importantes: um ministro europeu das Finanças; eurobonds (euro-obrigações) para financiar um novo programa europeu de investimento; mais ênfase na inovação; um imposto sobre transacções financeiras para financiar a crescente ajuda a África, onde a Europa tem um interesse estratégico em termos de desenvolvimento de longo prazo; e uma harmonização fiscal mais geral, antes de os EUA desencadearem uma corrida global para ver quem menos tributa os ricos e as empresas.

 

Contrariamente ao que pensam os alemães que se opõem a estas ideias, um ministro europeu das Finanças e as Eurobonds não significam necessariamente um esbanjamento orçamental, devendo, isso sim, traduzir-se no relançamento de um crescimento ecológico impulsionado pelos investimentos no Velho Continente. A China propôs a Iniciativa da Nova Rota da Seda [conhecida, na versão simplificada, como "Uma Faixa, uma Rota" ("One Belt One Road" – OBOR, em inglês)] para construir infra-estruturas ecológicas que liguem o Sudeste da Ásia à Europa, através da Ásia central. É tempo de a Europa oferecer uma mesma visão arrojada, criando uma parceria com a China de modo a renovar as infra-estruturas da Eurásia com vista a um futuro com baixas emissões de dióxido de carbono.

 

Se a Europa jogar bem as cartas, os seus conhecimentos científicos e técnicos (bem como os da China) irão florescer. Se assim não for, no futuro estaremos todos a conduzir veículos eléctricos chineses movidos a energia das células fotovoltaicas chinesas, ao passo que a indústria automóvel alemã passará a ser uma nota de rodapé na página da História.

 

Além disso, um ministro europeu das Finanças poria fim à agonia auto-infligida da Europa depois da crise financeira de 2008. Ainda que seja difícil de acreditar, a crise grega prossegue nos dias de hoje, a uma escalada comparável à da Grande Depressão, dez anos depois de a crise financeira ter eclodido.

 

Esta situação deve-se ao facto de a União Europeia não ter sido capaz de solucionar – nem a Alemanha se ter mostrado disposta a fazê-lo – o caos financeiro (incluindo as dívidas impagáveis da Grécia) de uma forma justa e prospectiva (similar ao Acordo de Londres sobre as dívidas externas alemãs, firmado em 1953, como os amigos da Alemanha não se cansaram de lhe recordar). Se a Alemanha não estiver disposta a avançar com estas propostas, a Europa irá confrontar-se com uma crise prolongada, com graves repercussões sociais, económicas e políticas.

 

Dentro de duas semanas, Macron irá reunir-se com os líderes mundiais em Paris, por ocasião do segundo aniversário do Acordo do Clima. Sem dúvida que há que dar mérito a França, a este respeito, mas também à Alemanha: durante a presidência alemã do G-20, Merkel manteve 19 dos seus 20 membros firmemente empenhados no Acordo de Paris, apesar da indigna tentativa do presidente norte-americano, Donald Trump, de o fazer descarrilar.

 

É verdade que a corrupção da política norte-americana (especialmente o financiamento das campanhas eleitorais por parte da indústria do petróleo e do gás) ameaçou o consenso global sobre as alterações climáticas. Mas a Alemanha manteve-se firme. A nova coligação deve também garantir que os objectivos da transição energética (Energiewende) fixados para 2020 pelos governos anteriores sejam alcançados. Estes compromissos, importantes e concretizáveis, não devem ser moeda de troca nas negociações para formar a coligação.

 

Uma aliança CDU/CSU-SPD, em cooperação com França e o resto da Europa, poderá e deverá fazer muito mais pelo combate às alterações climáticas. A Europa deve, sobretudo, adoptar um plano energético integral com vista a uma economia inteiramente descarbonizada nem 2050. Para isso, será necessária uma rede eléctrica inteligente livre de emissões de carbono que se estenda por todo o continente, alimentada pela energia eólica e solar não apenas do Sul da Europa mas também do Norte de África e do Mediterrâneo Oriental. Uma vez mais, as eurobonds, uma parceria ecológica com a China e uma unidade europeia poderão fazer toda a diferença.

 

Uma tal Aliana permitirá igualmente uma nova política externa para a Europa, que promova a paz e o desenvolvimento sustentável, sustentada por novos acordos de segurança que não dependam tanto dos Estados Unidos. A Europa, tão atractiva para centenas de milhões de potenciais migrantes económicos, poderá, deverá e, creio, terá de recuperar o controlo das suas fronteiras, o que lhe permitirá reforçar e aplicar limites necessários ao afluxo de migrantes.

 

As modalidades políticas de um novo governo de grande coligação parecem muito claras: os ministérios da Economia e das Finanças devem caber ao SPD, e a chancelaria à CDU/CSU. Tratar-se-á, assim, de uma verdadeira coligação, não uma coligação que significa o fim do SPD no plano político ou que lhe negue os meios necessários para promover um programa de desenvolvimento realmente ecológico, inclusivo e duradouro para toda a Europa.

 

Com Merkel e o líder do SPD, Martin Schulz, nos comandos, o governo alemão estará em mãos excelentes, responsáveis e experientes. Os amigos e admiradores da Alemanha, e todos os partidários de um desenvolvimento mundial sustentável, esperam por este importante passo.

 

Jeffrey D. Sachs, professor de Desenvolvimento Sustentável e de Políticas e Gestão de Saúde  na Universidade de Columbia, é director do Centro para o Desenvolvimento Sustentável de Columbia e director da rede de soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

 

 

 

 

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