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Transformar a conversa em torno da Resistência Antimicrobiana em acções

O prémio de 20 mil milhões de dólares poderia ser dividido entre as empresas que primeiro produzam tecnologias de diagnóstico novas e apropriadas, vacinas ou antibióticos, para abordar as 12 "prioridades patogénicas" da Organização Mundial de Saúde.

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A semana de consciencialização em relação aos antibióticos decorreu no início de Novembro e, como presidente da AMR (Resistência Antimicrobiana) Review quando David Cameron era primeiro-ministro, participei em vários eventos para chamar à atenção deste importante tema para a saúde pública.

 

A Review mostrou que mesmo que o mundo fique sem antibióticos, estamos a sobreutilizar aqueles que ainda funcionam. Se não tomarmos as rédeas no que diz respeito a estes excessos e se não desenvolvermos novos medicamentos eficazes rapidamente, poderá haver dez milhões de pessoas a morrerem todos os anos de doenças associadas à AMR em 2050 – mais do que as 700 mil que morrem actualmente. O custo total para o PIB mundial entre agora e 2050 ascenderá aos 100 biliões de dólares.

 

No Museu da Ciência em Londres, falei antes do lançamento da nova exposição "Superbugs: The Fight for our Lives" (Superbacterias: a luta das nossas vidas), que vai ficar em exibição durante os próximos 15 meses. A exposição é um bom exemplo do aumento da atenção que está a ser dada à AMR. Os organizadores esperam que cerca de 1,5 milhões de pessoas vejam-na, mas eu desafiei-os a estimarem a visita de seis milhões de pessoas – cerca de 10% da população do Reino Unido.

 

Uma forma de fazer isso seria permitir que a exposição vá outras cidades, primeiro a um lugar como Manchester, mas eventualmente depois para locais mais longe como Pequim e Nova Deli. Se está a ler isto e é um executivo da área farmacêutica, está é a sua deixa para ajudar. Uma forma modesta da indústria farmacêutica abordar a ameaça AMR é patrocinar tais exposições, para que mais pessoas compreendam a questão de forma mais clara e científica.

 

Nas recomendações finais da Review, aumentar a consciencialização do público era um dos nossos Dez Mandamentos. Apesar do progresso já alcançado, muito mais pode ainda ser feito. Por exemplo, uma das três grandes farmacêuticas com quem me reuni recentemente parece ter boas relações com a China, país onde a população de 1,3 mil milhões de pessoas tem um papel crucial a desempenhar na luta contra a AMR. Por isso, sugeri que a empresa tentasse trabalhar com o serviço chinês de mensagens, o WeChat, para desenvolver uma aplicação para a consciencialização da AMR.

 

Entre os outros Dez Mandamentos, nos quais já foram alcançados alguns progressos, estou particularmente contente em relação a três. Em primeiro lugar, a quantidade de dinheiro prometida para a investigação e desenvolvimento de fase inicial está a fluir, devido ao número de iniciativas da Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Banco Europeu de Investimento e o Wellcome Trust (que é financiado pela Review).

 

Em segundo lugar, mais investigadores parecem estar a focar-se em AMR (embora baseie esta conclusão apenas na frequência das localizações geográficas dos convites que recebo para discursar). E em terceiro lugar, o mau uso de antibióticos na agricultura foi reduzido em mais do que esperava, devido aos esforços voluntários levados a cabo pelos produtores de alimentos e supermercados. Muito mais tem de ser feito, mas isto é um bom começo.

 

Nos últimos 18 meses, a coordenação internacional na luta contra a AMR também melhorou com os últimos dois encontros do G20 e com um Encontro de Alto Nível das Nações Unidas a destacarem este assunto. Ainda assim, as declarações dos líderes mundiais vão perder o significado se não forem acompanhadas por acções.

 

Infelizmente, tem faltado acções no que diz respeito ao desenvolvimento de novos diagnósticos, vacinas (e alternativas a vacinas) e antibióticos. Desde que a Review publicou o seu último relatório, tem havido muitas conversas sobre estas três recomendações cruciais, em particular da indústria farmacêutica. No encontro anual do Fórum Económico Mundial, em Janeiro de 2016, a indústria apoiou um compromisso generalizado para com novas iniciativas – que podemos interpretar como um pedido para financiamento governamental. E durante a semana de consciencialização em relação aos antibióticos, os executivos das farmacêuticas presumivelmente encontraram-se para debater a AMR.

 

Ainda assim, nenhuma acção concreta foi tomada. Para mudar isso, os 20 produtores de antibióticos pode pedir aos seus respectivos governos para terem um "projecto piloto" de um mecanismos de financiamento para levar os novos medicamentos para ensaios clínicos e para o mercado. No Review, recomendamos recompensar os produtores de novos medicamentos pelas entradas no mercado, desde que este único pagamento não seja usado para marketing e promoção. Segundo o que me foi dado a perceber, esta proposta foi bem recebida.

 

Recomendamos também que aqueles que desenvolvem novas vacinas ou alternativas e técnicas de diagnóstico de ponta sejam elegíveis para tais recompensas, dado que estas inovações podem reduzir em muito o abuso de antimicrobianos.

 

Uma das farmacêuticas com quem me encontrei recentemente mostrou-me dados que mostram que o uso de antibióticos no tratamento de jovens na Islândia caiu muito desde 2011, devido às vacinas contra as doenças pneumocócicas. Isto foi agradável de ver. Como a Review mostrou, uma das melhores maneiras de evitar o abuso de antibióticos é evitar infecções no primeiro lugar.

 

Aqui fica a última ideia para as 20 principais farmacêuticas considerarem. Porque não contribuir com mil milhões de dólares, ao longo da próxima década? O prémio de 20 mil milhões de dólares poderia ser dividido entre as empresas que primeiro produzam tecnologias de diagnóstico novas e apropriadas, vacinas ou antibióticos para abordar as 12 "prioridades patogénicas" da Organização Mundial de Saúde.

 

Obviamente que está proposta é pouco convencional. Mas para um dos sectores com maior lucro da economia mundial, 20 mil milhões de dólares durante dez anos são quase uma ninharia. Colectivamente, as receitas anuais das 20 principais farmacêuticas ascendem a cerca de 600 mil milhões de dólares, e os seus lucros anuais estão entre os 150 mil milhões e os 200 mil milhões de dólares. Um contributo anual de dois mil milhões de dólares seria menos do que 0,33% das receitas anuais combinadas e menos de 2% dos lucros anuais.

 

Além disso, seria um investimento em três dos Dez Mandamentos da Review. E num mundo em que é exigida uma maior responsabilidade social e corporativa, pode mesmo dar às acções das farmacêuticas um impulso saudável.

 

Jim O’Neill, ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management, é professor honorário de Economia na Universidade de Manchester e antigo presidente da revisão sobre a Resistência Antimicrobiana do governo britânico.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
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radução: Ana Laranjeiro

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