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26 de Novembro de 2013 às 15:04

Teste ao aumento de impostos no Japão

No início de Outubro, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, anunciou que o seu governo aumentaria o imposto sobre o consumo de 5% para 8% no próximo mês de Abril, e para 10%, 18 meses depois. O contraste com o que está a acontecer nos Estados Unidos não poderia ser maior.

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Enquanto os opositores do presidente norte-americano Barack Obama resistem em aprovar a legislação sobre cuidados de saúde que carrega o seu nome, devido às transferências de riqueza que implica, os burocratas japoneses estão a tentar recuperar a autoridade de forma a canalizarem receitas fiscais para apoiarem os programas de bem-estar social.

 

Existem muitos argumentos para aumentar o imposto sobre o consumo no Japão. O governo japonês tem uma dívida enorme, e a sua taxa de imposto sobre o consumo é muito menor do que a taxa média de IVA na Europa. Ao mesmo tempo, o imposto sobre as empresas no Japão é maior do que noutros países, o que torna difícil para o Japão atrair investimento, nacional ou estrangeiro. Para sobreviver à concorrência fiscal internacional – e poder recorrer aos impostos sobre as empresas como uma fonte de receita – deveria reduzir-se o imposto equivalente ao IRC no longo prazo.

 

No entanto, agora que a economia do Japão começa a recuperar de mais de 15 anos de estagnação, um aumento do imposto sobre o consumo não é aconselhável. Na verdade, um aumento tão expressivo raramente – ou nunca – foi tentado, devido ao risco de incentivar os consumidores a gastar antes da entrada em vigor, reduzindo assim o consumo posterior. Além disso, qualquer aumento repentino da carga tributária pode resultar em perdas muito pesadas.

 

Uma subida do imposto sobre o consumo deveria ser aplicada de forma a não comprometer a recuperação económica que está a ser impulsionada pelo programa ousado de Abe, conhecido como “Abenomics”. Normalmente, os economistas ocidentais defendem um aumento de impostos gradual; Jeffrey Frankel, por exemplo, recomenda um plano pré-anunciado para aumentar a taxa de imposto em um ponto percentual por ano durante cinco anos. Mas as autoridades japonesas, comunicação social e académicos continuam a favorecer uma subida repentina e substancial.

 

No ano passado, quando a Dieta Nacional do Japão aprovou a legislação para aumentar o imposto sobre o consumo, incluiu uma cláusula que impunha que o plano fosse reavaliado se as condições económicas assim o exigissem. Quando as autoridades japonesas chamaram 60 líderes empresariais, académicos e economistas (incluindo eu) para realizar esta avaliação, mais de 70% mostrou-se favorável ao aumento.

 

Mas a selecção de especialistas reflecte uma clara inclinação em direcção aos pontos de vista do Ministério das Finanças. Na verdade, o ministério tem usado a sua "campanha informativa" para moldar a discussão pública, convencendo os académicos, economistas e público em geral a estarem mais preocupados em manter o défice orçamental sob controlo do que com os efeitos de um choque negative da procura. Este é um exemplo típico do que economistas como Joseph Stiglitz chamam de "captura cognitiva".

 

Durante mais de duas décadas - um período caracterizado pela recessão e uma deflação crónica – o Japão manteve a sua posição como o país mais rico do mundo em termos de riqueza líquida no exterior. No final do ano passado, a riqueza líquida internacional do Japão totalizava 296 biliões de ienes (3 biliões de dólares). Mas crê-se que o governo do Japão seja o mais pobre do mundo, com o seu ministério das Finanças a reportar um rácio de dívida pública sobre o PIB superior a 200%.

 

Isso é um exagero. Por exemplo, Ichizo Miyamoto, um antigo alto funcionário do ministério das Finanças, afirma que, tendo em conta os activos do governo, o rácio da dívida pública do Japão é inferior a 100% do PIB, semelhante ao dos Estados Unidos.

 

A validade da posição do Ministério das Finanças sobre o aumento do imposto foi posta em causa pelo declínio do índice Nikkei de futuros após o anúncio de Abe no dia 1 de Outubro. Sem dúvida que a crise orçamental nos Estados Unidos levou a maioria dos futuros de acções a cair naquele dia. Mas, se a visão do ministério em relação ao imposto sobre o consumo fosse correcta, o índice Nikkei teria ganho mais - ou pelo menos perdido menos - do que os futuros em outros países. Pelo contrário, o índice caiu três vezes mais rapidamente do que outros.

 

Ainda que o momento para aplicar um aumento do imposto sobre o consumo não seja o ideal, não estou totalmente pessimista em relação ao seu impacto. O modelo Mundell-Fleming – que descreve a relação de curto prazo entre a taxa de câmbio nominal, taxas de juro e a produção numa economia aberta – indica que, com o regime de taxa de câmbio flexível do Japão, o declínio da procura que se segue a um aumento de impostos poderia ser facilmente resolvido com uma política monetária mais expansionista.

 

É por isso que o governador do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, deve responder de forma adequada se o aumento do imposto tiver um impacto deflacionário. Ao fazê-lo, evitaria as críticas que o ex-governador do Banco de Inglaterra, Mervyn King, enfrentou quando apoiou uma subida do imposto sobre o consumo em 2011, sem usar a política monetária para compensar os efeitos recessivos.

 

Há apenas um ano, e apesar da recessão profunda, o antigo primeiro-ministro Yoshihiko Noda tentou aumentar o imposto sobre o consumo sem um alívio monetário – uma estratégia que poderia ter conduzido a uma estagnação económica continuada. Abe não deve cometer o mesmo erro. Se o governo do Japão conseguir superar um revés na procura depois do aumento do imposto – deixando a economia a funcionar harmoniosamente, e começando a recuperar as receitas públicas – Abe poderá então declarar que o seu Abenomics foi um sucesso inequívoco.


Koichi Hamada, assessor económico do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, é professor de Economia na Universidade de Yale e professor emérito de Economia na Universidade de Tóquio.

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução de Rita Faria

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