Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
04 de Julho de 2013 às 15:47

Terra oleosa

Hoje em dia, manter uma discussão calma sobre temas ambientais é tão difícil como manter um diálogo razoável sobre bruxaria no Massachusetts, no tempo da colónia britânica. Basta pensar no debate exagerado sobre o projecto Keystone XL, que pretende levar petróleo desde a região de Athabasca, no nordeste de Alberta (Canadá) até às refinarias da costa do golfo do Texas.

  • ...

O governo de Alberta – e as companhias petrolíferas com influência sobre ele – querem que, em vez de “areias de alcatrão”, se fale de “areias de petróleo”, achando que, para calar os críticos ambientalistas, basta trocar o nome. Os ambientalistas opõem-se ao oleoduto, e falam de “petróleo sujo”. Compreensivelmente, os que assistem ao debate perguntam-se o que será pior – se os estratagemas publicitários de uns, ou os jogos de palavras dos outros.

 

Todos têm um pouco de razão. As areias betuminosas formam depósitos de centenas de quilómetros quadrados de betume, um material viscoso e corrosivo, semelhante ao alcatrão. O betume está impregnado na superfície do solo ou, quando as camadas finas de compostagem e os sedimentos intervêm, um pouco abaixo do nível superficial. Segurar um punhado de terra de uma margem do rio deixa a mão mais oleosa do que asfaltada; e essa terra gordurosa parece-se com areia.

 

Isto deixa a descoberto o verdadeiro engano de ambas as partes. Erradamente, as petrolíferas esquecem-se que o betume não é petróleo comum. Erradamente, os ambientalistas esquecem-se que quem colocou no solo o betume corrosivo foi a Natureza. Se a BP tivesse derramado centenas de biliões de barris de betume em centenas de quilómetros quadrados, seria justo os ambientalistas exigirem que não se poupassem esforços para eliminar do solo todos os vestígios de petróleo. Aqui aplica-se um duplo padrão porque, o que quer que a Natureza faça, é natural, e portanto, bom.

 

O erro dos ambientalistas é, ou deveria ser, desconcertante. Mas o das companhias petrolíferas é mais substancial. Há duas formas de retirar o betume dos solos. Uma delas é uma tecnologia mais antiga, uma espécie de mineração a céu aberto, na qual são utilizadas escavadoras para abrir no solo grandes poços, de onde se retira terra betuminosa, que é depois transportada em camiões para complexos industriais, onde se extrai o betume em caldeiras a pressão. A outra tecnologia mais moderna, na qual a superfície permanece intocada, consiste em injectar vapor no subsolo para aquecer o betume, e reduzir assim a sua viscosidade, o que permite extraí-lo, através do bombeamento. Ambos os processos deixam atrás de si resíduos tóxicos e terra um pouco menos oleosa. 

 

Os ambientalistas têm vários argumentos para pedir que se deixe o betume onde está. Descrevem os poços de mineração e os resíduos tóxicos de uma forma tão desfavorável que nem o melhor especialista em relações públicas conseguiria limpar a reputação ambiental das empresas. A escala é pouco comum, mas a mineração a céu aberto, e os poços, são operações de mineração vulgares em todo o mundo. Além disso, com a tecnologia mais moderna de extração de betume, os poços a céu aberto não são necessários.

 

Os ambientalistas sinalizam corretamente que a produção de calor para cada um dos processos requer mais energia do que a que se consome para vencer a gravidade no método comum para o bombeamento de petróleo. Ao queimar gás natural para aquecer a terra betuminosa, libertam-se grandes quantidades de dióxido de carbono, o que agrava o aquecimento global. Infelizmente, o biodiesel de soja não é muito melhor, e tanto o petróleo pesado como o bioetanol são muito piores. Estamos a fazer uma experiência global, enquanto vivemos dentro de um tubo de ensaio. Diante disso, a defesa da indústria do petróleo - "Somos tão maus como os outros" - parece desonrosa.

 

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tem uma oportunidade limitada para preservar a integridade das empresas de betume. Estas querem acesso ao mercado norte-americano, e querem poder utilizar os portos da Costa do Golfo para ampliar a escala das suas exportações, mas Keystone XL não é a sua única opção. Se Obama decide bloquear o projecto, as empresas construirão outros oleodutos e exportarão através de outros portos. Nada pode impedir que se construam essas instalações e, uma vez construídas, os Estados Unidos converter-se-ão num mero espectador. Se, em vez disso, Obama aprovar o projecto Keystone XL, com condições, poderiam obter-se os benefícios diplomáticos e económicos reais do oleoduto, e ao mesmo, tempo, reduzir os custos ambientais.

 

Os benefícios são enormes. Inundar os mercados globais com petróleo canadiano iria pressionar os preços mundiais da matéria-prima. Mais importante, iria favorecer a causa da paz. A dependência do petróleo do Médio Oriente provoca distorções na política externa, guerras e devastação do meio ambiente. Basta recordar que na sua retirada do Kuwait, em 1991, os soldados iraquianos incendiaram centenas de poços de petróleo. Os incêndios estiveram a emitir CO2 para a atmosfera durante vários meses, cuspindo petróleo em chamas sobre os frágeis ecossistemas do deserto. A guerra não é verde.

 

Os Estados Unidos não podem esperar que os seus aliados (e muito menos outros países com os quais mantêm relações tensas, como o Irão ou a Venezuela) adoptem políticas externas de princípios, quando a sua própria está sujeita a distorções causadas pelo Médio Oriente. No curto prazo, o petróleo canadiano livraria os Estados Unidos desta hipocrisia. No longo prazo, se a produção de petróleo e gás de xisto satisfizesse a procura norte-americana, o petróleo canadiano serviria para ir cortando a dependência dos aliados dos Estados Unidos em relação ao petróleo do Médio Oriente, e dar-lhes-ia mais margem de manobra na política externa.

 

A aprovação do Canadá deve estar subordinada à aplicação de sérias medidas de salvaguarda ambiental por parte do Canadá. Muitas empresas garantem que já respeitam essas garantias, mas o cepticismo dos ambientalistas é justificado. O terreno de jogo só estará nivelado com regulação forte, transparência, e multas pesadas. 

 

Uma condição óbvia é obrigar as empresas a “sequestrar” o CO2 (remover o CO2 do ar e armazená-lo no subsolo). Com esta obrigatoriedade, a emissão neta de CO2 a resultante da extração do betume não seria pior do que aquela que resulta dos poços de petróleo convencionais, e poderia até ser melhor. Outra condição óbvia é fixar calendários obrigatórios para a restauração das minas a céu aberto e bacias à sua condição natural.

As empresas querem o betume que a natureza colocou na terra oleosa. Deixemos que o levem, mas vamos também garantir que não resta um desastre pior do que a natureza pretendia.

 

Randall Morck é professor na Escola de Negócios de Alberta.

 

© Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio