Opinião
O risco de uma centralização europeia
Para muitos líderes europeus, a crise da Zona Euro mostrou a necessidade de “mais Europa”, cujo objectivo final é criar uma união política plena. Tendo em conta a história de guerras e as divisões ideológicas do Continente, e os desafios colocados, actualmente, pela globalização, uma Europa unida, próspera e pacífica – e com influência internacional – é, sem dúvida, um objectivo desejável. Mas continuam a existir importantes divergências sobre a forma de alcançar esse objectivo.
Historicamente, a união monetária era vista como o caminho para alcançar uma união política. Nos anos 50, o economista francês Jacques Rueff, conselheiro próximo de Charles de Gaulle, defendeu que “L’Europe se fera par la monnaie, ou ne se fera pas” (A Europa será feita através da moeda ou não se fará). O presidente alemão Richard von Weizsäcker fez eco desta visão quase meio século mais tarde, afirmando que apenas através da moeda única, a Europa iria alcançar uma política externa comum. Mais recentemente, a chanceler alemã Angela Merkel afirmou que “se o euro falhar, a Europa falhará”.
Mas a crise que a “Europa” enfrenta não é tanto sobre a união política mas mais sobre a União Económica e Monetária. Em todo o caso, os esforços para manter a União Económica e Monetária unida podem ter-nos afastado de uma política externa comum ao provocarem o reaparecimento de ressentimentos nacionalistas dentro dos Estados-membros (independentemente de estes darem ou receberem ajuda financeira) que esperávamos que tivessem morrido há muito tempo.
Os políticos lançaram a união monetária em 1999, apesar dos avisos que indicavam que as economias integrantes eram muito diferentes. Não demorou muito tempo até que alguns Estados violassem o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Mais tarde, o princípio de não “bail out” foi abandonado. A resposta a estes falhanços passou, no entanto, por uma exigência de maior integração económica, que incluía passos intermédios como a criação do cargo de “ministro das Finanças europeu” ou de um comissário europeu com amplos poderes para facilitar uma maior integração.
Estas ideias, como é óbvio, ignoraram questões centrais como a soberania nacional e a democracia, e, em particular, o privilégio de Governos e Parlamentos eleitos definirem os seus próprios impostos e gastos públicos. O facto de Estados-membros soberanos não terem cumprido os seus compromissos europeus, não é um argumento convincente para renunciarem agora à sua soberania.
Em resumo, todas as medidas que poderiam apoiar uma união política acabaram por ser inconsistentes e perigosas. Envolveram enormes riscos financeiros para os Estados-membros da Zona Euro e alimentaram tensões entre os países da região. Talvez o mais importante tenha sido o facto de terem minado as bases nas quais assenta a ideia de uma união política – entre elas, persuadir os cidadãos da União Europeia a identificarem-se com a ideia de Europa.
O apoio da opinião pública à “Europa” depende, em larga medida, do seu sucesso económico. De facto, são as suas conquistas económicas que lhe dão uma voz política no mundo. Mas, como indica a actual crise, as economias europeias com melhor desempenho são aquelas que têm mercados laborais (relativamente) flexíveis, impostos razoáveis e livre acesso a profissões e negócios.
Além disso, o impulso para realizar reformas económicas veio dos governos nacionais e não da União Europeia. Um dos exemplos mais bem-sucedido é a “Agenda 2010”, lançada há uma década pelo então chanceler alemão Gerhard Schröder. Numerosos estudos académicos, que seguem o trabalho do historiador económico norte-americano Douglass North, suportam a ideia de que é a concorrência entre Estados e regiões que lança as bases do progresso tecnológico e do crescimento económico. O falhanço total de Agenda de Lisboa, lançada em Março de 2000 com o objectivo de tornar a União Europeia na “economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo”, demonstrou a fraqueza de uma abordagem centralizada.
Em séculos anteriores foi a concorrência dentro da Zona Euro que gerou um dinamismo e uma prosperidade sem paralelo em grande parte do Continente. Mas este foi também um período de guerras na região. No entanto, isto não significa que a centralização seja a melhor – e muito menos a única – forma de garantir a paz.
Mas, mais uma vez, a reposta dos líderes europeus foi a contrária: interpretou-se o fracasso da Agenda de Lisboa como uma justificação para harmonizar e centralizar ainda mais as políticas nacionais. Como era de esperar, no seu discurso do “Estado da União” no Parlamento Europeu em Setembro de 2012, o presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso pediu uma comissão com mais poderes.
Esta abordagem – harmonização, coordenação e tomada de decisões centralizada – continua a ser considerada como uma panaceia para os problemas europeus. É este tipo de pretensão de conhecimento que o economista Friedrich von Hayek denuncia como uma receita para restringir a liberdade e garantir a mediocridade económica. De facto, o projecto europeu deve partir da premissa de que as instituições apropriadas, os direitos de propriedade e a concorrência, em conjunto com um sistema fiscal e políticas orçamentais sólidas amigas do crescimento são a base do sucesso económico.
Os perigos de uma abordagem centralizada podem ainda ser vistos na relação entre os 17 Estados-membros da Zona Euro e os 11 Estados que não fazem parte do euro. À medida que os primeiros se esforçam por uma maior integração, as consequências económicas adversas de o fazerem vão, muito provavelmente, dissuadir os segundos de participarem na União Económica e Monetária (o que também pode ser um sinal de que a concorrência institucional não pode ser suprimida para sempre).
Há muitas áreas em que a acção comum ao nível da União Europeia é apropriada e eficiente. As políticas ambientais são um bom exemplo. Mas a centralização das decisões económicas, como um fim em si mesmo, não pode sustentar uma Europa prospera e poderosa.
Jean Monnet, um dos pais fundadores da União Europeia, afirmou uma vez que se lhe fosse dada a oportunidade de iniciar, novamente, o processo de integração europeu, teria começado pela cultura – uma dimensão em que não precisamos, nem queremos, centralização. A riqueza cultural da Europa consiste, precisamente, na sua diversidade e a base dos seus feitos mais admiráveis tem sido a competição entre pessoas, instituições e lugares. O actual mal-estar económico reflecte os esforços prolongados dos líderes europeus em negar o óbvio.
Otmar Issing, antigo economista chefe do Banco Central Europeu, é presidente do Centro de Estudos Financeiros na Universidade Goethe em Frankfurt.
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Tradução: Ana Luísa Marques