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Koichi Hamada 10 de Julho de 2015 às 20:00

O mito da manipulação da moeda

No mês passado, a taxa de câmbio do iene japonês face ao dólar norte-americano caiu abaixo de 125 ienes, um mínimo de 13 anos, antes de recuperar para cerca de 122 ienes na sequência da declaração do governador do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda,  de que não esperava uma maior depreciação. Mas, como Kuroda mais tarde esclareceu, os responsáveis pela política monetária do Japão não procuram prever, e muito menos controlar, os movimentos da taxa de câmbio. Em vez disso, o objectivo do Banco do Japão – como o de qualquer banco central eficaz - é assegurar a combinação certa de emprego e inflação.

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Naturalmente, a política monetária de um país afecta as taxas de câmbio no curto prazo. Mas fá-lo apenas em relação à política monetária em outros países relevantes. No caso do Japão, a taxa de câmbio está a ser menos influenciada pela sua própria expansão monetária do que pelo movimento dos Estados Unidos em direcção ao aperto monetário, depois de um período no qual a enorme flexibilização quantitativa (QE) da Reserva Federal norte-americana colocou uma pressão ascendente sobre o iene.

 

Um país também pode influenciar a taxa de câmbio de curto prazo intervindo directamente no mercado cambial. Mas essas intervenções são complicadas – porque têm de ter em conta a relação entre a política monetária do país e a de outros países relevantes. Além disso, se, por exemplo, os Estados Unidos tivessem como objectivo 100 ienes por dólar, enquanto o Japão fixasse como meta 120 ienes por dólar, o resultado poderia não se limitar a uma crescente tensão entre os Estados Unidos e o Japão; metas incompatíveis para a taxa de câmbio também poderiam provocar volatilidade no mercado, a um nível mais alargado, com efeitos sobre outras economias.

 

Perante isto, a política monetária continua a ser o condutor mais eficaz dos movimentos da taxa de câmbio. A chave para garantir um equilíbrio satisfatório da taxa de câmbio é os países prosseguirem políticas destinadas a assegurar uma combinação desejável de inflação interna e emprego. Se, por exemplo, o cumprimento das metas de inflação interna e emprego exigir uma maior expansão monetária - que vai colocar uma pressão descendente sobre a moeda local, reforçando a competitividade internacional da economia - outros países poderão ter que prosseguir a sua própria expansão monetária para manter as taxas ideais de inflação interna e emprego.

 

Foi precisamente o que aconteceu depois da crise económica global. Os Estados Unidos, num esforço para evitar a deflação e travar o aumento do desemprego, iniciaram um programa massivo de flexibilização quantitativa, como o Reino Unido a seguir-lhes os passos. No início, o Banco do Japão hesitou em ajustar a sua política monetária em conformidade, permitindo que o iene apreciasse - uma decisão que conduziu a economia, há muito estagnada, para a recessão.

 

Felizmente, quando o primeiro-ministro Shinzo Abe chegou ao poder em 2013, reconheceu a necessidade de uma expansão monetária, tornando-a uma das três "setas" da sua estratégia – apelidada de Abenomics - para a reforma e recuperação da economia. Graças a esta mudança de abordagem, o Japão foi capaz de travar a valorização do iene e mover-se em direção a um crescimento mais forte, sem pôr em causa a capacidade dos Estados Unidos e do Reino Unido para fazerem avançar os seus próprios objectivos de política monetária.

 

A capacidade de ajustamentos desse tipo é a marca distintiva do sistema de taxa de câmbio flexível; de facto, há mais de quatro décadas que se tem revelado a chave para a estabilidade macroeconómica global. No período após a Primeira Guerra Mundial, os países que adoptaram uma política monetária independente recuperaram mais rapidamente do que aqueles que se mantiveram presos ao padrão-ouro.

 

No entanto, alguns economistas e jornalistas temem que os países, na tentativa de ganhar vantagem nos mercados mundiais, se envolvam em desvalorizações competitivas, provocando inflação em larga escala nesse processo. Essas preocupações tiveram mesmo lugar em debates sobre os acordos de livre comércio mega-regionais – nomeadamente o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre os Estados Unidos e a União Europeia – que estão a ser negociados actualmente. Muitos estão agora a pedir a inclusão de disposições executórias que proíbam a chamada "manipulação da moeda".

 

A inclusão de disposições desse tipo seria um erro - até porque as questões cambiais são intrinsecamente irrelevantes para acordos comerciais. Na verdade, essa abordagem - que tem o potencial de inviabilizar acordos que trariam benefícios consideráveis ??para as economias envolvidas – baseia-se numa falácia. A menos que os países usem a intervenção directa para prosseguirem metas contraditórias de taxa de câmbio, é altamente improvável a ocorrência de uma "guerra cambial" capaz de gerar inflação generalizada. Se cada país adaptar a sua política monetária aos objectivos macroeconómicos internos, as taxas de câmbio estabelecem-se naturalmente num óptimo de Pareto (ou máxima eficiência).

 

O economista Jeffrey Frankel tem chamado à manipulação da moeda uma quimera, declarando que "ligar os esforços para prevenir a manipulação da moeda a acordos de comércio sempre foi uma má ideia, e continua a ser". Ele está certo. Fazê-lo seria contradizer a regra mais fundamental de um regime de taxa de câmbio flexível: que cada economia pode definir - e perseguir - as suas próprias metas de política monetária.

 

Koichi Hamada, Conselheiro Económico Especial do Primeiro-Ministro japonês Shinzo Abe, é Professor Emérito de Economia na Universidade de Yale e na Universidade de Tóquio.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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