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23 de Junho de 2014 às 18:15

O desfasamento entre o PIB e o bem-estar

Há uma desconexão cada vez maior entre o PIB per capita dos países e o bem-estar dos seus cidadãos, pois um crescimento rápido da produção exacerba os problemas de saúde e corrói as condições ambientais.

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A relação entre o crescimento económico e o bem-estar humano parece evidente. De facto, o crescimento económico, calibrado mediante o produto interno bruto, é considerado de forma generalizada o mais importante objectivo de desenvolvimento. Mas chegou o momento de repensar esse critério. 

 

De facto, há uma desconexão cada vez maior entre o PIB per capita dos países e o bem-estar dos seus cidadãos, pois um crescimento rápido da produção exacerba os problemas de saúde e corrói as condições ambientais. Tendo em conta isso, as pessoas valorizam cada vez mais a riqueza não-material tanto como a material, se não mais.

 

Mas persuadir as autoridades e os políticos sobre as limitações do PIB não é uma tarefa fácil. Acima de tudo, é muito mais simples defender um quadro muito conhecido e aceite há muito que está a defender uma nova visão do mundo.

 

Para ser correcto, o PIB proporciona informação valiosa sobre a produção, despesas e fluxos de rendimento de um país, bem como do fluxo de bens através das fronteiras. Além disso, constituiu uma orientação fundamental para os países, ajudando-os a descobrir os benefícios económicos que têm melhorado consideravelmente a qualidade de vida dos cidadãos – em muitos casos, tirando-os da miséria.

 

Mas o PIB não tem em conta as mudanças na totalidade dos activos de um país, o que dificulta às autoridades a tarefa de equilibrar os interesses económicos, sociais e ambientais. Sem medidas melhores em prol do bem-estar – incluindo a saúde, a educação e o estado do meio ambiente natural – as autoridades não podem obter os dados de que precisam para velar pela saúde a longo prazo da economia e dos indivíduos que a compõem.

 

Este imperativo baseia-se no conceito de "desenvolvimento sustentável", que gradualmente tem ganho a aceitação desde a sua introdução em meados da década de 80. Mas, ainda que os países tenham reconhecido a necessidade de uma compreensão mais ampla de desenvolvimento, mantiveram em grande medida o crescimento do PIB como o seu objectivo central. Isso tem que mudar. Mesmo o prémio Nobel radicado nos Estados Unidos, Simon Kuznets, o pai do PIB na época da depressão, disse em 1934 que "não se pode inferir o bem-estar de uma nação a partir do cálculo do seu rendimento nacional".

 

A boa notícia é que um quadro sólido, simples e eficaz para medir a sustentabilidade já existe. Desenvolvido por um grupo de economistas destacados, incluindo o laureado com o prémio Nobel Kenneth Arrow e Partha Dasgupta da Universidade de Cambridge, avalia os fluxos de rendimento de uma economia no contexto da totalidade dos seus activos, incluindo o capital humano e natural. Por outras palavras, tem em conta a base produtiva da economia e não apenas a sua riqueza monetária.

 

Com base neste quadro, a Universidade das Nações Unidas e o Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas revelaram o Relatório sobre a Riqueza Inclusiva (IWR) na Cimeira da Terra de 2012 no Rio de Janeiro. Ao proporcionar uma comparação de longo prazo entre o PIB e a "riqueza inclusiva" para 20 países, o relatório pretende motivar as autoridades a seguirem uma visão de longo prazo mais ampla de desenvolvimento das suas economias.

 

No próximo mês de Novembro, um segundo IWR será divulgado, com muitos mais países representados e mais centrado no capital humano dentro dos indicadores das contas nacionais. Para este fim, os especialistas colaboradores vão celebrar, este mês, diversas reuniões na Malásia, que concluirão com um simpósio público designado "Beyond Gross Domestic Product – Transitioning into Sustainability".

 

Para transformar a compreensão do desenvolvimento económico no mundo, é necessária uma abordagem dinâmica. Os especialistas em várias áreas – incluindo economia, sociologia, psicologia e ciências naturais – devem colaborar para formular um conjunto integrado de indicadores que ofereça um panorama completo da base produtiva da humanidade, da qual depende a capacidade das pessoas para perseguirem a sua interpretação de êxito. Ainda que as decisões finais devam ficar a cargo das autoridades e cidadãos, o processo deve basear-se nos melhores dados científicos disponíveis e não deve estar comprometido com as exigências políticas nem com os interesses estabelecidos.

 

Além disso, uma verdade fundamental deve ser reconhecida: o planeta não pode acomodar os seus sete mil milhões de habitantes com uma posição socioeconómica de rendimentos elevados. Para que todos os países alcançassem um PIB per capita de 13.000 dólares (que, de acordo com o Banco Mundial, corresponde ao estatuto de elevado rendimento), seria necessário que o PIB mundial aumentasse de cerca de 72 biliões de dólares actualmente para 91 biliões de dólares. Se, contudo, já utilizamos o equivalente a 1,5 Terras para contar com os recursos que consumimos e absorver o nosso lixo, o planeta apenas pode suportar de forma sustentável um PIB de apenas 48-50 biliões de dólares.

 

E se o planeta já ultrapassa a sua capacidade de carga sustentável, deveríamos reduzir as exigências que lhe impomos – em vez de acrescentar novas. De forma simples, não podemos continuar a depender do crescimento do PIB, e da acumulação de riqueza ilimitada que ele implica, para resolver os nossos problemas sociais e económicos.

 

O mundo deve ajustar os seus sistemas de valores a esta realidade. Devemos aprender a fazer mais com menos, separar o crescimento económico do consumo de recursos e alimentar os aspectos sociais e espirituais da nossa existência.

 

Esta transformação seria impossível sem fazer mudanças fundamentais nos nossos sistemas de educação, estruturas políticas e instituições. É uma tarefa ambiciosa, mas o nosso futuro depende de que a levemos a cabo.

 

Zakri Abdul Hamid é membro do Conselho Científico do Secretário-Geral da ONU, conselheiro científico do primeiro-ministro da Malásia e co-presidente do MIGHT. Anantha Duraiappah é director executivo do Programa Internacional de Dimensões Humanas sobre Alterações Ambientais Globais, organizado pela Universidade das Nações Unidas em Bonn.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Raquel Godinho

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