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O universo ético alternativo de Trump

Depois de assumir uma posição poderosa, nenhum líder efectivo – no governo, empresas ou noutro qualquer sítio – vai desconsiderar publicamente o seu futuro staff; ataca em resposta a qualquer e todas as críticas; menospreza figuras públicas de prestígio; ou recusa aprender sobre questões que ele, ou ela, terão de endereçar. Trump fez tudo isto e ainda mais.

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A partir do momento em que Donald Trump entrou na corrida presidencial americana, o potencial para um conjunto de violações éticas, decorrentes dos seus interesses empresariais globais, tem sido uma bomba-relógio.
 

Boom.

 

Muitas outras democracias liberais experienciaram elementos de lideranças autoritárias, incluindo nepotismo, limites à liberdade de opinião ou da imprensa, políticas manifestamente discriminatórias e abuso de poder para ganhos pessoais. Mas, em grande medida, os Estados Unidos têm evitado estas armadilhas, devendo muito aos limites de mandatos e a um confiável sistema de pesos e contrapesos.

 

Agora Trump. Depois de assumir uma posição poderosa, nenhum líder efectivo – no governo, empresas ou noutro qualquer sítio – vai desconsiderar publicamente o seu futuro staff; ataca em resposta a qualquer e todas as críticas; menospreza figuras públicas de prestígio; ou recusa aprender sobre questões que ele, ou ela, terão de endereçar. Trump fez tudo isto e ainda mais.

 

A equipa de transição de Trump enviou vários questionários para o Departamento de Energia dos Estados Unidos para saber os nomes dos funcionários que estiveram envolvidos nas políticas sobre as alterações climáticas. Ofereceu um papel-chave na Casa Branca ao seu genro, Jared Kushner. E rejeitou consistentemente instrucções dos serviços de informações, desvalorizou as preocupações desta comunidade acerca da ingerência russa nas eleições, e até ligou a divulgação de informações sobre essa preocupação à Alemanha nazi.

 

É evidente que a desconfiança de Trump relativamente a especialistas está longe de ser única nos tempos que correm. Mas utilizar os passos em falso ou incertezas desses especialistas para justificar o desprezo pelos factos é irresponsável. Para o presidente dos EUA – uma pessoa incumbida de servir e proteger pessoas em todo o mundo – é francamente perigoso.

 

O perigo é ainda mais agudo na medida em que o presidente está a tirar partido do cepticismo em relação aos factos para manipular percepções e criar espaço para o seu próprio comportamento anti-ético. Trump reivindicou que se iria desligar dos seus negócios para evitar conflitos de interesses ao mesmo tempo que não apresentou nenhum plano credível para o fazer.

 

A equipa de Trump tem sido consistente em poucas áreas excepto na insistência sobre a noção de que ser poderoso é equivalente a deter a razão. Quando questionada sobre o comportamento de Trump, Kellyanne Conway, directora da campanha de Trump e agora conselheira na Casa Branca, replicou: "Ele é o presidente-eleito, por isso tem um comportamento presidencial". O próprio Trump respondeu às perguntas sobre a sua retórica de campanha com um singelo "ganhei".

 

Os congressistas republicanos parecem estar em sintonia com esta abordagem demagógica. A convenção do partido na Câmara dos Representantes colocou na agenda a tentativa de digerir o independente comité de ética criado na sequência dos escândalos de há uma década. A reacção foi pronta e eles tiveram de recuar. Mas poderão tentar de novo: Trump criticou a jogada, mas apenas o seu timing e classificou o comité de ética de "injusto".

 

O ataque à ética não termina aqui. Os republicanos no Senado fizeram avançar audições de confirmação às escolhas para a administração Trump, pese embora as adequadas verificações e divulgação de informação financeira não tenham tido ainda lugar.

 

Têm sido feitos esforços para responder – ou, pelo menos, sublinhar – às violações éticas que Trump e a sua equipa têm vindo a acumular. Walter Shaub, director do independente Gabinete de Ética do Governo, que foi criado depois do caso Watergate, falou claramente sobre o tema. (O chefe do staff de Trump respondeu com uma ameaça velada, avisando o director para "ter cuidado") O Washington Post criou uma nova equipa especialmente incumbida de cobrir os conflitos de interesses no seio da administração Trump e possíveis violações à Cláusula sobre Emolumentos da Constituição americana, que proíbe todos os detentores de cargos públicos de aceitarem dinheiro ou prendas oferecidas por funcionários estrangeiros.

 

Mas, por agora, Trump e os seus facilitadores parecem comprometidos em continuar o seu rumo – uma abordagem que já está a enfraquecer a autoridade moral da América. Enquanto muitos líderes mundiais estão preocupados com o comportamento de Trump, muitos outros estão provavelmente a pensar que agora têm uma permissão tácita para fazer igual. Líderes empresariais também podem concluir que podem ignorar as regras éticas.

 

Esta lógica, ao mesmo tempo que é compreensível, é errada. Trump não será presidente dos EUA para sempre. Movimentos de direita populista como o seu irão, eventualmente, despedaçar-se a si próprios, não apenas porque os seus líderes não têm nenhum compromisso com políticas que de facto ajudem os seus constituintes. Pelo contrário, Trump e os congressistas republicanos estão a andar rapidamente no sentido de desmantelar o Affordable Care Act – a reforma ao sistema de saúde feita pelo presidente Barack Obama – sustentando que o programa substituto e ainda por definir vai manter os elementos populares e deixar cair os impopulares. Na realidade, isso será impossível.

 

Aqueles que agora tiram partido da actual fuga ética para ganhos pessoais ou empresariais terão de responder por isso quando o pêndulo político regressar à sanidade. Tal como responderão aqueles que, apesar de não entrarem no comboio da venalidade, falham em defender padrões éticos.

 

Políticos e homens de negócios têm de decidir agora se querem ser conhecidos como oportunistas e facilitadores ou como verdadeiros líderes, aderindo à ética e princípios que abraçaram publicamente. O encontro anual do Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça, que se centrou em "lideranças responsáveis e eficazes", configurou uma primeira oportunidade para desenhar uma linha na areia. No futuro aqueles que ficaram do lado certo dessa linha irão ficar felizes por tê-lo feito.

 

Lucy P. Marcus é CEO da Marcus Venture Consulting.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: David Santiago

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