Opinião
O plano de Jean-Claude Juncker para o desastre europeu
Uma bolha inflacionária na Europa de Leste, acompanhada pelo desmantelamento dos controlos fronteiriços, pode destabilizar toda a UE e criar uma nova onda de migrantes económicos para a Europa Central.
Um grupo de caminhantes perdeu-se. Querem chegar ao castelo que vêem à distância na colina, mas o caminho em que estão parece estar a levá-los numa direcção diferente e o único conselho do seu líder é para se despacharem.
Hoje, a Zona Euro está na mesma posição que esses caminhantes. É cada vez mais claro que criar o euro foi o caminho errado. A moeda única provocou uma bolha de crédito inflacionária na Europa do Sul. Quando a bolha rebentou, a competitividade da região foi destruída e a Europa do Norte foi chamada a dar enormes garantias de empréstimos, crédito público e a fazer transferências. Estas medidas sustentaram preços relativos errados, que resultaram da bolha, e esconderam o problema subjacente.
Entretanto, o Acordo de Schengen, que eliminou a maioria dos controlos fronteiriços entre os Estados-membros da União Europeia, permitiu que imigrantes das partes pobres da Ásia e de África tenham chegado, nos últimos anos, aos estados-sociais da Europa do Norte.
Em resposta a estes eventos, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker usou o discurso do Estado da União, proferido este mês, para apelar a que mais países integrem a Zona Euro e a área de Schengen. Juncker é o líder carismático e confuso que está a conduzir o nosso grupo metafórico de caminhantes perdidos.
Todos os Estados-membros da União Europeia que não estão no euro, excepto a Dinamarca, já estão obrigados legalmente a trabalhar na direcção de adoptarem o euro, ao satisfazerem os vários "critérios de convergência". Mas Juncker obviamente quer acelerar esse processo, flexibilizando os critérios de adesão à Zona Euro e dando incentivos financeiros para que novos membros se juntem.
Dados os problemas da Zona Euro no passado, isto é uma proposta extremamente perigosa. Se se concretizar, provavelmente, vai impulsionar o mesmo tipo de sobreaquecimento perigoso que vimos na Europa do Sul. De facto, as famílias da Bulgária, da Croácia e da Roménia já acumularam um excesso de dívida em moeda estrangeira – sobretudo em euros – um movimento de antecipação à adesão à união monetária e isto criou substanciais dificuldades financeiras.
É compreensível que os bancos ocidentais, que imprudentemente concederam empréstimos em euros a estes países, queiram agora dar-lhes as máquinas de imprimir euros. Dessa maneira, os países devedores podem tranquilizar os seus credores e pagar os seus empréstimos com dinheiro que eles próprios imprimem se necessário, como os países do Sul da Europa fizeram ao longo da última década.
Dar à Bulgária, Croácia e Roménia máquinas de impressão de euros iria manter o crédito privado a fluir e permitiria que os empréstimos em divisas estrangeiras fossem refinanciados. Mas tanto crédito artificialmente barato iria também inflacionar as pensões públicas, os salários dos funcionários públicos e as transferências sociais. E isto, por outro lado, iria levar a um sobreaquecimento do mercado imobiliário e dos salários internos, o que prejudicaria a competitividade internacional.
Normalmente, um país que se encontre nessa situação vai urgentemente desvalorizar a sua moeda. Mas, como a adesão ao euro exclui essa hipótese, os países da Europa do Norte, financeiramente sólidos, seriam novamente chamados a ajudar, dando garantias de empréstimos e transferências financeiras, através do Banco Central Europeu, enquanto teriam de tolerar que os novos membros da Zona Euro continuassem a usar a máquina de imprimir euros como entendessem.
Em suma, o plano de Juncker para acelerar a adesão à Zona Euro de novos membros ameaça recriar o caos da última década, que começou com uma bolha no Sul da Europa, e culminou na crise da dívida soberana da Grécia.
A proposta de Juncker para alargar a área de Schengen para o leste está igualmente errada e parece ignorar as lições da história recente. A onda incontrolável de imigrantes, em 2015, mostrou que a Europa tem poucos controlos fronteiriços internos e externos. Juncker pode gostar de pensar que a imigração abrandou desde então devido ao acordo que a União Europeia alcançou com a Turquia, no início de 2016. Mas os dados da Frontex, autoridade europeia de controlo de fronteiras, indicam que os fluxos migratórios pararam quando foi criada uma vedação na Macedónia, a pedido da Áustria e dos países Visegrád (República Checa, Hungria, Polónia e Eslováquia).
Além disso, a vedação na fronteira sérvio-húngara e o aperto nos controlos na fronteira da Hungria com a Roménia também contribuiram para a estabilidade europeia. Mas os migrantes estão agora a atravessar o Mar Negro, da Turquia para a Bulgária, e pode mesmo vir a chegar um número mais elevado de migrantes se as negociações para a adesão da Turquia à União Europeia pararem. Em resultado disto, o resto da União Europeia deve opor-se a qualquer proposta para que os controlos fronteiriços existentes sejam eliminados, que é exactamente o que vai acontecer se a Bulgária e a Roménia forem incluídos na área de Schengen.
Não é claro o que motiva as propostas de Juncker. Para ser claro, a Comissão Europeia não pode negligenciar os interesses das instituições financeiras em Paris, no Luxemburgo e em Frankfurt. Ninguém quer que os mal-aconselhados empréstimos concedidos aos países da Europa de Leste levem a outra crise bancária.
Mas com o plano de Juncker a situação pode ser pior. Uma bolha inflacionária na Europa de Leste, acompanhada pelo desmantelamento dos controlos fronteiriços, pode destabilizar toda a UE e criar uma nova onda de migrantes económicos para a Europa Central. O guia da Europa deve ser chamado à razão, consultar a bússola e retomar o bom caminho.
Hans-Werner Sinn, professor de Economia na Universidade de Munique e membro do conselho consultivo do Ministério da Economia alemão, foi presidente do Instituto Ifo.
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Tradução: Ana Laranjeiro