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Japão da Europa?

Desde que a crise económica mundial começou, em 2008, o PIB de Itália diminuiu cerca de 8%, quase um milhão de trabalhadores perderam o emprego, e os salários reais têm estado sob pressão crescente.

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No sul de Itália, hoje em dia, um jovem - especialmente uma mulher – com um contrato de trabalho permanente, que receba o salário a horas e por inteiro, é uma raridade estatística. E não é provável que um governo de coligação pouco sólida resolva os problemas que levaram os eleitores a rejeitar a elite governativa nas últimas eleições. O aspecto mais marcante da recente turbulência em Itália é, na verdade, o que não aconteceu: os cidadãos não saíram às ruas para exigir reformas.

 

De facto, ao longo da crise, a sociedade italiana manteve-se estranhamente inerte. A ligeireza dos poucos protestos públicos que ocorreram contrasta com verdadeiras revoltas noutras economias em dificuldades da Europa - como a Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda – já para não falar daqueles que agitaram o mundo árabe nos últimos anos. Até a Suécia enfrentou rebeliões este ano, assim como o Reino Unido, em 2011.

 

A ausência de tais explosões de ira popular, em Itália, pode ser explicada, em parte, pela almofada de poupança constituída por gerações anteriores. Mas há também forças sociais e políticas mais profundas em jogo - forças que ameaçam empurrar a Itália, como o Japão depois da bolha nos preços dos activos que estourou em 1990, em direção a uma queda silenciosa.

 

A experiência do Japão - caracterizada por mais de 20 anos de estagnação económica - oferece lições importantes para os países democráticos afectados pela crise, e que enfrentam problemas decorrentes do envelhecimento da população. Durante as "décadas perdidas" do Japão, sucessivos governos japoneses sucessivos permitiram que a dívida pública subisse rapidamente e recusaram-se a enfrentar problemas profundamente enraizados da economia, permitindo que a esclerose tomasse posse.

 

De facto, os líderes do Japão tiveram poucos incentivos para prosseguir com reformas corajosas, porque os eleitores, de forma consistente, não o exigiram. Esta quietude está, pelo menos parcialmente, enraizada na demografia. A sociedade japonesa é uma das mais envelhecidas do mundo, com cerca de 40% da população com mais de 54 anos e uma idade média de 45,8.

 

As poupanças substanciais dos cidadãos mais velhos tornam-nos mais tolerantes ao torpor económico. Quando os bancos cortam o crédito, os preços no consumidor caem, aumentando o poder de compra dos pensionistas e dos investidores em renda fixa. E aqueles que estão a aproximar-se da reforma sabem que não correm o risco de perder o emprego numa economia pouco competitiva. Assim, ainda que as pessoas mais velhas não prefiram viver num país em crise, não o consideram intolerável, como o consideram os jovens sedentos de oportunidades.

 

Itália tem, actualmente, a terceira população mais velha do mundo - 33% dos habitantes tem pelo menos 55 anos, e a idade média é de 44,2. Como no Japão, esses cidadãos mais velhos têm grandes poupanças. Na região do Piemonte, por exemplo, os cidadãos que têm poupanças de, pelo menos, 350 mil euros, têm 66 anos de idade, em média. Além disso, 18,6 milhões dos 60 milhões de cidadãos da Itália recebem pensões de reforma (embora 11 milhões recebam menos de mil euros por mês), enquanto apenas 12 milhões de pessoas têm um contrato de trabalho permanente em tempo integral.

 

Os problemas de Itália, como os do Japão, aprofundaram-se com o crescimento da disparidade geracional. Por outras palavras, enquanto os cidadãos reformados beneficiam da queda dos preços de bens e serviços, os produtores (e potenciais produtores) não.

 

Diante disso, os dois grupos defendem políticas muito diferentes. Por exemplo, o corte de impostos sobre os salários - que permite às pequenas empresas crescer, inovar e tornarem-se mais competitivas, reforçando, assim, a criação de empregos e o crescimento económico - pode exigir a redução dos rendimentos.

 

Na verdade, o sistema fiscal de Itália favorece os aforradores. Um imposto de 12,5% incide sobre as mais-valias de títulos do governo, enquanto os empresários que arriscam o seu próprio capital para lançar novos negócios pagam cerca de 50 % dos custos de arranque em impostos. Da mesma forma, os impostos sobre imóveis em Itália representam cerca de 2% da receita total do governo, em comparação com a média de 4% da OCDE - e que o governo tem a intenção de reduzir ainda mais. E os proprietários pagam um imposto de 15% sobre as rendas, enquanto os trabalhadores não qualificados pagam um imposto de 23% sobre os seus parcos rendimentos.

 

Mas, enquanto os arrendatários e os produtores estão cada vez mais em desacordo, é o reformado que prevalece nas urnas - e não só por causa da demografia. De acordo com um estudo da EMG, 60 % dos italianos com idade entre os 18 e os 34 anos são propensos a votar, em comparação com 72% das pessoas acima de 55 anos. Os pensionistas têm a maior propensão a votar (73%), os estudantes e os desempregados estão entre os menos propensos a correr às eleições.

 

Não é surpreendente que aqueles cujos interesses foram mais bem servidos pelos políticos sejam mais propensos a votar. Mas isso cria um ciclo vicioso: como os jovens e os trabalhadores se tornam cada vez mais alienado do processo democrático, os líderes políticos continuam a implementar políticas que favorecem os mais velhos.

 

Desenvolvimentos recentes no Japão dão razões para ter esperança. As crescentes preocupações com a ascensão da China incentivaram os eleitores japoneses a apoiar o primeiro-ministro Shinzo Abe e o seu programa arrojado de reforma. Embora os resultados do "Abenomics" ainda estejam por aparecer, o mandato para revigorar a economia do Japão, há muito estagnada, era claro.

 

A questão que se coloca agora é saber que tipo de choque seria necessário para motivar os italianos a exigir uma acção similar. A adopção do euro em 1999 não foi claramente suficiente, e nem a concorrência crescente das economias emergentes instou os italianos a deterem o declínio de seu país. A menos que comecem a exigir que os seus líderes enfrentem os vários desafios económicos do país, em vez de esperar que desapareçam, a Itália pode muito bem estar condenada a uma década perdida ao estilo japonês - ou duas.

 

Federico Fubini é colunista financeiro e autor de Noi siamo la rivoluzione (Nós somos a revolução).

 

© Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução de Rita Faria

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