Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
22 de Março de 2016 às 22:12

Gerir a política da água

O Dia Mundial da Água é a ocasião ideal para lançar uma nova agenda sobre a água. Mas cada dia deve ser um dia em que trabalhamos em conjunto para gerir um dos recursos mais importantes do planeta.

  • ...

O Dia Mundial da Água, assinalado a 22 de Março, representa uma oportunidade para destacar o que em muitos países se tornou uma triste realidade: o acesso a água potável é, cada vez mais, um factor estratégico nos assuntos regionais e globais. A não ser que os recursos hídricos sejam geridos com extremos cuidado, as consequências podem ser devastadoras.

 

No ano passado, o World Water Development Report das Nações Unidas chamou, mais uma vez, a atenção para a possibilidade do cada vez maior fosso entre oferta e procura poder gerar conflitos. O Fórum Economico Mundial definiu as crises relacionadas com a água como a ameaça global mais preocupante, mais perigosas do que os ataques terroristas, a turbulência financeira, e mais provável de ocorrer do que o uso de armas de destruição maciça. Pesquisas realizadas pelo Strategic Foresight Group mostraram a importância de uma gestão inteligente: é extremamente improvável que países envolvidos numa gestão conjunta dos recursos hídricos entrem em guerra.

O Médio Oriente é um exemplo trágico do que pode acontecer quando falta cooperação internacional. Iraque, Síria e Turquia lutaram por cada metro cúbico dos rios Tigre e Eufrates. Todos perderam. Agentes não estatais controlam partes importantes das bacias hidrográficas dos dois rios. E a escassez de água agravou a crise de refugiados na região (uma crise que é a apoteose da má governação).

O mais cruel desta tragédia é que ela podia ter sido evitada. Em 2010, no Fórum Norte de África-Ásia Ocidental em Amã, propusemos a criação de "círculos de cooperação", que pretendia institucionalizar a colaboração entre a Iraque, Jordânia, Líbano, Síria, e Turquia, em questões ambientais e hídricas. Um acordo semelhante ajudaria a gerir os recursos ambientais partilhados entre a Jordânia, Israel e Palestina.

Se tivesse sido criada uma organização supranacional, esta teria lançado estratégias conjuntas para gerir secas, coordenar sistemas de culturas, desenvolver padrões comuns para monitorizar os caudais dos rios, e implementar planos de investimento para criar meios de subsistência e desenvolver tecnologias de tratamento de água.

Outras regiões fizeram isto. Países que partilham rios em África, no Sudeste Asiático e na América Latina reconheceram que os interesses nacionais e a estabilidade regional podem ser reforçados se for dada prioridade às necessidades humanas, e não ao chauvinismo.

No Outono passado, a comunidade internacional adoptou os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas que prometem "garantir a disponibilidade e a gestão sustentável dos recursos hídricos e do saneamento para todos". Parte desta promessa prevê a "expansão da cooperação internacional".

Os responsáveis por implementar este compromisso devem ter em consideração que a cooperação não se resume à assinatura de tratados e à realização de reuniões. Implica também o planeamento conjunto de projectos de infraestruturas, gestão de cheias e secas, desenvolvimento de estratégias integradas para combater as alterações climáticas, garantir a qualidade dos cursos de água e a realização de cimeiras regulares para tradeoffs entre os recursos hídricos e outros bens públicos.

O Water Cooperation Quotient, uma medida de cooperação criada pelo Strategic Foresight Group, pode ajudar os países que partilham bacias hidrográficas e lagos a monitorizar a intensidade da sua cooperação. Apenas um quarto das 263 bacias hidrográficas partilhadas possuem organizações que funcionam correctamente. É muito importante que essas organizações sejam alargadas a todas as bacias hidrográficas até 2030.

Para as pessoas mais pobres dos países em desenvolvimento, esta cooperação transfronteiriça gera dividendos significativos. Quando os países chegam a acordo sobre a construção e gestão de infraestruturas importantes, não há atrasos. Há poupança de custos e os benefícios são partilhados da melhor forma. Se todos os países em desenvolvimento com bacias hidrográficas partilhadas adoptarem a cooperação transfronteiriça, o seu produto interno bruto (PIB) pode, facilmente, crescer mais de um ponto percentual.

A comunidade internacional deveria encorajar os países a adoptar este tipo de cooperação, criando instrumentos financeiros que disponibilizassem financiamento. Um plano Marshall global para bacias hidrográficas partilhadas pode, no início, parecer uma proposta dispendiosa. Mas o custo da inacção – como a ameaça que representa a entrada maciça de refugiados na Europa – pode, facilmente, ser muito maior.   

A comunidade internacional deve, também, agir prontamente para salvar infraestruturas hídricas importantes de actos de violência e terrorismo. Muitos rios, incluindo o Tigre e o Eufrates, foram e continuam a ser berços da civilização humana. As Nações Unidas devem ponderar a possibilidade de criar uma força de manutenção de paz especial para os proteger.

Por último, a lei internacional deve ser definida para prevenir, e não apenas resolver, conflitos. É necessário um tratado global robusto para regular as emissões nos cursos de água. Actualmente, a maioria dos desentendimentos sobre os recursos hídricos estão relacionados com a quantidade que cada parte recebe. No futuro, os conflitos terão, cada vez mais, a ver com a qualidade da água, à medida que as práticas de irrigação, a industrialização, e a urbanização contribuem para aumentar os níveis de poluição.  

 

O Dia Mundial da Água é a ocasião ideal para lançar uma nova agenda sobre a água. Mas cada dia deve ser um dia em que trabalhamos em conjunto para gerir um dos recursos mais importantes do planeta. 

 

Prince El Hassan bin Talal é fundador do Arab Thought Forum e do West Asia-North Africa Forum e um membro importante do Global High Level Panel on Water and Peace. Sundeep Waslekar é presidente do Strategic Foresight Group.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

Ver comentários
Saber mais Dia Mundial da Água Fórum Economico Mundial Médio Oriente Iraque Síria Turquia Jordânia Líbano Israel Europa água
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio