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Opinião
29 de Junho de 2015 às 20:00

Financiamento para o desenvolvimento com características chinesas?

Ao promover um enfoque mais pragmático do financiamento para o desenvolvimento, o modelo institucional chinês poderia ser o Fundo para a Rota da Seda, que dispõem de 40 mil milhões de dólares, que o presidente Xi Jinping anunciou em Novembro.

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Depois do fluxo de entradas de último momento para o grupo fundador do Banco de Investimento e Infraestruturas da Ásia (AIIB na sigla inglesa), liderado pela China, a atenção está agora concentrada no estabelecimento de regras e normas. Mas continuam a existir perguntas importantes. Uma delas é se o AIIB vai ser um potencial rival ou se vai ser um complemento às estruturas financeiras existentes como o Banco Mundial.

 

Desde que a China e 20 outros países – maioritariamente asiáticos – assinaram o memorando de entendimento em Outubro do ano passado, mais 36 países – incluindo Austrália, Brasil, Egipto, Finlândia, França, Alemanha, Indonésia, Irão, Israel, Itália, Noruega, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Coreia do Sul, Suécia, Suíça, Turquia e Reino Unido – juntaram-se à lista de membros fundadores.

 

Segundo o ministério das Finanças da China, os membros fundadores do AIIB devem finalizar as negociações no que diz respeito aos artigos do acordo antes de Julho, com as operações a começarem antes do final deste ano. A China desempenha o papel de presidente permanente nas reuniões dos negociadores que são co-presididas por um país membro que actue como anfitrião. A quarta reunião dos negociadores líderes teve lugar em Pequim no final de Abril e a quinta decorreu em Singapura no final de Maio. O economista chinês Jin Liqun foi escolhido para liderar a secretaria interna multilateral do AIIB, que tem como objectivo supervisionar a fundação do banco.

 

Embora o PIB seja o critério básico para a atribuição dos lugares dos participantes entre os membros fundadores, o ministério das Finanças sugeriu em Outubro que a China não precisa necessariamente da sua participação de 50% que o seu PIB implica. Além disso, apesar da sede do AIIB ir ser em Pequim, o ministério afirmou que as delegações regionais e a nomeação de quadros superiores estarão sujeitos a consultas e negociações adicionais.

 

Tal como o Novo Banco de Desenvolvimento, avaliado em 50 mil milhões de dólares, anunciado pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no Verão do ano passado, o AIIB foi sujeito a um escrutínio significativo tendo alguns líderes ocidentais questionado a sua governação, transparência e motivos. De facto, muitos no Ocidente descreveram a sua criação como parte de um esforço para deslocar os actuais credores multilaterais.

 

Mas os novos bancos de desenvolvimento parecem estar menos interessados em substituir as instituições actuais do que em melhorá-las, um objectivo que partilha com elas. Como destacou o vice-ministro das Finanças, Shi Yaobin, ao reconhecer a necessidade de reformar a sua governação, os credores multilaterais existentes demostraram que, de facto, não existem "práticas óptimas" senão "práticas preferíveis". Não existe nenhum motivo que impeça que as melhoras tenham origem em outras partes.

 

De facto, dado o foco experimental que se adopta em relação ao desenvolvimento, a China está numa boa posição para – e como sugeriram altos quadros mais do que disposta a – contribuir para este processo. Se a China conseguir encontrar uma maneira de equilibrar a necessidade de manter elevados padrões e salvaguardas nos empréstimos para os projectos como o mandato de distribuir rapidamente os créditos, a governação económica mundial vai beneficiar significativamente.

 

Ao promover um enfoque mais pragmático do financiamento para o desenvolvimento, o modelo institucional chinês poderia ser o Fundo para a Rota da Seda, que dispõem de 40 mil milhões de dólares, que o presidente Xi Jinping anunciou em Novembro. Se este Fundo e o AIIB funcionarem como instrumentos financeiros chave para a estratégia chinesa de "um cinto, um caminho", centrada na criação de rotas da seda modernas – o "cinto económico da Rota da Seda" (por terra) e a "Rota Marítima da Seda do Século XXI" – que se estenderão através da Ásia até à Europa. A iniciativa visa promover a cooperação económica e a integração da região Ásia-Pacífico, principalmente através do financiamento de infraestruturas como estradas, caminhos-de-ferro, aeroportos, portos e centrais eléctricas.

 

Ainda assim, o Fundo para a Rota da Seda recebeu pouca atenção por parte dos meios de comunicação social ocidentais. Isto é lamentável porque o pouco que se sabe do Fundo sugere que poderia desempenhar um papel importante na transformação do financiamento para o desenvolvimento.

 

Segundo a imprensa chinesa, o Fundo da Rota da Seda será financiado por quatro agências estatais. A Administração Estatal de Divisas Estrangeiras terá uma participação de 65%; a Sociedade de Investimento da China (CIC na sigla em inglês e que significa o fundo soberano de investimento patrimonial do país) e o Banco de Exportações e Importações da China terão, cada um, uma participação de 15%; e o Banco de Desenvolvimento da China terá os 5% restantes. O Fundo foi oficialmente registado em Dezembro de 2014 e teve a sua primeira reunião do conselho de administração no mês seguinte.

 

De certa forma, pode considerar-se o Fundo para a Rota da Seda como a última iniciativa dos fundos soberanos de investimento patrimonial chinês. Inclusivamente alguns meios de comunicação referem-se ao Fundo para a Rota da Seda como "a segunda Sociedade de Investimento da China". Porém, enquanto as operações desta sociedade estão sobre a alçada directa do ministério das Finanças, as operações do Fundo para a Rota da Seda parecem reflectir a influência do Banco Popular da China.

 

Numa entrevista recente, o Governador do Banco Popular da China, Zhou Xiaochuan, sugeriu que o Fundo para a Rota da Seda deveria concentrar-se sobretudo em "projectos de cooperação" em particular em investimentos directos de capital, antes de apontar as características financeiras "perfeitamente adequadas" do Fundo. Por exemplo, Zhou indicou que o Fundo para a Rota da Seda vai adoptar um horizonte temporal mínimo de 15 anos para os investimentos- em vez dos 7 a 10 anos que muitas empresas privadas adoptam – porque tem em conta que os investimentos em infraestruturas nos países em desenvolvimento geram lucros de forma mais lenta.

 

Além disso, o Fundo para a Rota da Seda poderia funcionar como um catalisador para que outras instituições financeiras públicas contribuam com capital e financiamento de dívida para projectos selecionados. O Fundo e os outros investidores públicos e privados fariam, em primeiro lugar, investimentos conjuntos no projecto. O Banco de Exportações e Importações da China e o Banco de Desenvolvimento da China poderiam conceder créditos para financiar o endividamento e o CIC poderia dar mais investimento. Quando o AIIB estiver em funcionamento também poderá apoiar este processo, organizando o financiamento do endividamento em conjunto com o investimento inicial dado pelo Fundo para a Rota da Seda.

 

Claro que ainda falta muito para que estas iniciativas de financiamento se concretizem.  Mas é possível vislumbrar o surgimento dos contornos de uma paisagem de desenvolvimento de financiamento sul-sul – uma paisagem com potencial para transformar os empréstimos multilaterais de forma mais ampla.

 

 

Richard Kozul-Wright é director da divisão de Estratégias de Globalização e Desenvolvimento na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. O seu livro mais recente é Transforming Economies: Making Industrial Policy Work for Growth, Jobs and Development (em co-autoria com o Departamento Internacional de Trabalho). Daniel Poon é do Departamento de Assuntos Económicos da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

 

© Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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