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02 de Fevereiro de 2015 às 10:38

Desinvestir num Futuro Melhor

Por vezes, a melhor forma de medir a força de um movimento é a reacção dos seus críticos. Quando, no início de Outubro, a Universidade Nacional Australiana (UNA) anunciou que ia vender as participações em sete empresas de combustíveis fósseis e de minas, gerou um coro de críticas dos políticos conservadores australianos.

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Estes paladinos do mercado livre foram rápidos a dizer à universidade o que ela devia fazer com o seu dinheiro. O Tesoureiro da Austrália, Joe Hockey, desqualificou a decisão da UNA, apelidando-a de "deslocada da realidade". Outros acompanharam-no, qualificando a decisão de "uma desgraça", "muito estranha" e "tacanha e irresponsável". Não interessa se as somas envolvidas são relativamente baixas – representavam menos de 2% do portfolio da universidade, avaliado em mil milhões de dólares.

 

À medida que se consolida a tendência para desinvestir nos combustíveis fósseis, este tipo de respostas marcadas pelo pânico são cada vez mais comuns. A indignação dos conservadores australianos lembra-me a reacção que eu tive quando testemunhei perante o Congresso norte-americano em 2013, dizendo que devemos "manter o nosso carvão no solo, onde ele pertence". David McKinley, um congressista republicano da Virgínia Ocidental, precisamente no coração da exploração americana do carvão, disse que as minhas palavras "[lhe] deram um arrepio na espinha", e depois mudou o assunto para a taxa de criminalidade em Seattle, onde eu era presidente da câmara.

 

Até a ExxonMobil parece afectada. A empresa publicou recentemente um longo e defensivo post no seu blogue em que responde àquilo que descreve como um "apoio a plenos pulmões" ao desinvestimento em combustíveis fósseis de Mary Robinson, a enviada especial para as mudanças climáticas do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. A indústria dos combustíveis fósseis consegue ver perfeitamente o movimento rumo ao desinvestimento como a ameaça política que ele representa. Quando um número suficiente de pessoas diz não ao investimento na produção de combustível fóssil, o próximo passo tem que ser deixar o carvão, o petróleo e o gás debaixo de terra.

 

Esse é um passo necessário se quisermos travar as consequências mais perigosas das mudanças climáticas. Para evitar que as temperaturas mundiais subam acima do limiar de 2º Celsius, que os cientistas acreditam representar o ponto de viragem a partir do qual os efeitos mais graves já não poderão ser mitigados, não poderemos explorar aproximadamente 80% das reservas de combustíveis fósseis conhecidas.

 

As empresas petrolíferas e de carvão e os seus aliados políticos avisam-nos que vai haver uma catástrofe orçamental se o fizermos – como se as ondas de calor, secas, tempestades e a subida do nível do mar não trouxessem consigo as suas próprias catástrofes orçamentais e sociais. Como presidente da câmara de Seattle, apoiei a construção de edifícios eficientes do ponto de vista energético, o desenvolvimento de energia solar, eólica e hidroeléctrica. Também apoiei uma transição dos cidadãos para começarem a andar a pé, de bicicleta e a usar o transporte público como alternativas à condução – estratégias que podem ajudar a construir uma economia mais resiliente e a oferecer alternativas viáveis aos combustíveis fósseis. Mas elas não são capazes de evitar o pior do aquecimento global, especialmente se resultarem na venda de carvão e petróleo noutros lados.

 

Apesar de os nossos sistemas de governação serem imperfeitos, é provável que em algum momento o público e os seus líderes exijam que enfrentemos a verdade sobre o aquecimento global. Nesse momento, vão pôr em acção os controlos legais ou regulatórios necessários para reduzir de forma dramática o uso de combustíveis fósseis.

 

Se você é um investidor prudente e cauteloso, pense nessa possibilidade por um momento. O valor das acções da indústria dos combustíveis fósseis – que se baseiam na premissa de que as empresas vão ser capazes de extrair e queimar todas as reservas conhecidas – vai afundar. Afinal, investir nestas empresas é extraordinariamente arriscado. Como qualquer pessoa que recebe declarações de investimento sabe, "o desempenho do passado não é garantia de desempenho no futuro".

 

Essa realidade dá um outro argumento convincente para desinvestir. Sem dúvida que muitos vão dizer que o mundo nunca vai mudar e que vamos continuar a depender dos combustíveis fósseis para sempre. Mas basta olhar para Seattle, onde os casais homossexuais casam na câmara municipal e se vende marijuana em lojas licenciadas, para perceber a capacidade humana de reavaliar pressupostos profundamente enraizados. O investidor prudente, e o líder empresarial sensato, vão olhar para onde a economia se encaminha, e não para onde ela esteve.

 

A decisão da UNA parece ser sábia para qualquer pessoa que não esteja ao serviço de empresas petrolíferas ou de gás, e só vai parecer mais sensata com a passagem do tempo. Bravo para eles. Quando pus Seattle no mapa do desinvestimento em 2013, a minha decisão foi bem recebida pelos jovens que vão ter de viver com as consequências do aquecimento global, bem como pelo público em geral. À medida que a pressão política aumenta, os administradores da universidade só precisam de ouvir os estudantes.

 

Precisamos de mais coragem como a que foi mostrada pela UNA. Os seus líderes opuseram-se ao poder dos interesses do petróleo e do gás, que exercem uma enorme influência na Austrália. Se eles o conseguem fazer com aclamação popular, outros também conseguem.

 

Mike McGinn é o ex-presidente da câmara de Seattle (EUA), a primeira cidade a comprometer-se a desinvestir nos combustíveis fósseis.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Bruno Simões 

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