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Michael Spence 18 de Junho de 2017 às 14:00

Como ser uma economia aberta

As mudanças estruturais não são um efeito secundário acidental do crescimento e da criação de novos trabalhos e sectores. São uma parte integrante destes processos.

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A palavra "abertura" tem duas conotações relacionadas, mas distintas. Pode significar algo sem restrições, acessível e possivelmente vulnerável; ou pode significar que algo, como uma pessoa ou instituição, é transparente, em oposição a secreto.

 

O primeiro significado é frequentemente aplicado ao comércio, ao investimento e à tecnologia (apesar de a maioria das definições não relacionarem oportunidade com vulnerabilidade), o que sempre conduziu a mudanças económicas estruturais, em especial no que diz respeito ao emprego. Alterações estruturais podem ser simultaneamente benéficas e disruptivas. E os políticos há muito que têm de encontrar um equilíbrio entre o princípio abstrato de abertura e medidas concretas para limitar os efeitos negativos das mudanças.

 

Felizmente, a investigação académica e a perspectiva histórica podem ajudar os políticos a responder de forma inteligente a estes desafios. Pensemos na experiência dos países pequenos desenvolvidos do norte da Europa, que tendem a ter uma economia aberta e por um bom motivo: se não tivessem, teriam de diversificar excessivamente as partes transaccionáveis das suas economias para irem ao encontro da procura doméstica. Isso iria impor custos elevados porque a pequena dimensão do mercado interno não iria permitir que atingissem economias de escala em tecnologia, desenvolvimento do produto e produção.

 

Mas a abertura destes países aumentou a relevância económica e política dos investimentos em capital humano e numa rede de segurança social forte. As políticas de segurança social são duplamente importantes para economias pequenas e especializadas porque um choque externo num sector transaccionável pode afectar toda a economia.

 

Nem sempre foi assim. Economias pequenas e médias como o Canadá, Austrália e Nova Zelândia costumavam ter políticas proteccionistas, o que diversificou excessivamente os seus sectores transaccionáveis. Mas com o crescimento do comércio internacional e da especialização, o custo de produzir produtos internamente – como carros – em relação aos custos de importação tornaram-se muito elevados para os consumidores suportarem. Na década de 1980 e de 1990, estes três países começaram a abrir-se e tiveram dificuldades nas transições estruturais que, ainda assim, impulsionaram a produtividade e deram benefícios aos cidadãos e consumidores.

 

Alcançar o equilíbrio certo nunca é fácil. O Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia são todos países ricos em recursos e susceptíveis à "doença holandesa" – quando um sector de forte capital intensivo prejudica outros sectores ao elevar o valor da moeda. Isto levou a um crescimento dos receios sobre uma diversificação insuficiente, o que pode torná-los vulneráveis à volatilidade nos mercados globais de matérias-primas e representar desafios para o emprego.

 

Tendemos a associar os ajustamentos estruturais com o comércio internacional e com o investimento. Mas a actividade industrial muda dentro dos países a toda a hora, e cria desafios ao nível local e regional. Por exemplo, a produção têxtil norte-americana, outrora fortemente concentrada em Nova Inglaterra, mudou-se sobretudo para o sul (antes de se deslocar para a Ásia e outros locais com baixos preços).

 

Em 1954, o então senador John F. Kennedy, escreveu um longo e fascinante artigo na The Atlantic, em que atribuía a indesejável deslocalização em Nova Inglaterra aos incentivos fiscais dados pelos estados do sul. Tais práticas, argumentou, iriam levar a elevados níveis de ineficaz mobilidade industrial porque as empresas iriam procurar lucros onde pudessem, independentemente do impacto que isso tivesse nas comunidades individualmente. Para evitar esta concorrência, Kennedy apelou não ao livre comércio, mas ao lançamento de regulação que torna o comércio mais justo e eficiente.

 

De facto, as mudanças estruturais são necessárias para melhorar a eficiência dinâmica. Mas são também necessárias políticas para assegurar que os investimentos e a actividade económica são baseadas em vantagens comparativas reais e não em estruturas transitórias de incentivos para "empobrecer o vizinho". Isto é particularmente importante durante o período de mudanças estruturais rápidas. Uma vez que os ajustamentos do lado da oferta são lentos, dolorosos e caros, não devem ser feitos sem necessidade.

 

Mas, tal como nas economias fechadas, que perdem os benefícios de um comércio em conjunto, as economias abertas acabam por ter um desempenho económico abaixo do esperado quando as mudanças estruturais enfrentam obstáculos institucionais e políticos significativos. Isto explica porque motivo muitas economias abertas de hoje estão a falhar na adaptação às novas tecnologias e padrões de comércio. Frequentemente, os políticos querem evitar que as mudanças ocorram todas de uma vez. Apesar de este bloqueio à mudança poder proteger algumas indústrias existentes e empregos durante algum tempo, fazer isso de forma dramática trava o investimento e eventualmente prejudica o crescimento e o emprego.

 

A estrutura económica e de segurança social de um país pode também ser um entrave à mudança. Como observou o antigo ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, a promessa que as reformas estruturais vão levar ao crescimento do dividendo no longo prazo não é suficiente para dissipar os receios das pessoas sobre o futuro imediato e no curto prazo, em especial numa economia semi-estagnada. Se trocarmos algo por nada, é expectável uma resistência política e social significativa.

 

Se as reformas estruturais não forem acompanhadas por reformas na segurança social, provavelmente vão falhar. O programa de reformas, "Agenda 2010", iniciado em 2003 pelo antigo chanceler da Alemanha, Gerhard Schröder, é um bom exemplo desta abordagem, mas provou ser politicamente perigoso para Schröder, que não foi reeleito em 2005.

 

A ordem temporal destas reformas também é importante. Por exemplo, os trabalhadores incumbentes vão estar muito mais preocupados com as reformas da segurança social numa economia que tem um desempenho fraco do que numa economia vibrante. A resistência política às reformas estruturais – em especial por parte dos trabalhadores incumbentes mais velhos – vai ser mais forte em economias com um elevado desemprego e com uma baixa produção, porque é pior ser despedido nestas condições.

 

Em regra, antes de um governo introduzir reformas estruturais deve ter em curso as suas políticas orçamentais e aquelas que são orientadas para o investimento. Procedendo desta maneira, reduz a resistência política à mudança. A Europa está actualmente a viver um modesto, mas significativo aumento do crescimento. Mas está ainda por saber se os políticos vão tirar vantagem desta oportunidade para perseguir as reformas necessárias.

 

Uma lição final a ter em conta é que as mudanças estruturais não são um efeito secundário acidental do crescimento e da criação de novos trabalhos e sectores. São uma parte integral destes processos.

 

Isto é claro nos países desenvolvidos bem-sucedidos, onde as receitas para o crescimento incluem abertura, sectores modernos, comércio, elevados níveis de investimento e uma base crescente de capital humano. Estes países não estão isentos de mudanças estruturais e mudanças distributivas. Mas as suas transições são rápidas e menos dolorosas porque os investimentos atravessam os sectores público e privado e os activos tangíveis e intangíveis.

 

Os países desenvolvidos não são muito diferentes neste respeito. Um aumento significativo geral em investimento pode não resolver todos os problemas distributivos e de ajustamento. Mas certamente iria ajudar a estimular o crescimento e reduzir as fricções económicas e políticas nas suas adaptações estruturais.

 

Michael Spence, laureado com o Prémio Nobel da Economia, é professor de Economia na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque, e conselheiro no Instituto Hoover.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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