Opinião
Como negociar com a Coreia do Norte
A única forma de mitigar a ameaça nuclear norte-coreana, sem dar vantagem à China, é mostrar uma verdadeira liderança diplomática na garantia de um acordo de paz abrangente na península coreana.
O líder norte-coreano Kim Jong-un parece estar a preparar o terreno para um acordo histórico com o presidente dos EUA, Donald Trump, que permitiria que o seu país, tal como Mianmar e o Vietname, reduzisse a sua dependência da China e se aproximasse do Ocidente. Mas, apesar de ter declarado uma moratória dos testes nucleares e de mísseis de longo alcance e de ter deixado cair a exigência da retirada das tropas americanas da Coreia do Sul, é improvável que Kim abandone o programa de armas nucleares duramente conquistado até que um acordo compreensível e abrangente seja alcançado.
A Coreia do Norte realizou um total de seis testes nucleares - o mesmo número que a Índia, cuja formidável capacidade nuclear é indiscutível. A emulação, por parte de Kim, da declaração da Índia de uma moratória dos testes em 1998 - que possibilitou negociações com os Estados Unidos e que acabou por conduzir a uma lei americana reconhecendo o arsenal nuclear da Índia - implica que ele procura a aceitação internacional do status nuclear do seu país.
É claro que o acordo nuclear entre os EUA e a Índia foi possível graças às pressões estratégicas que existiram depois da Guerra Fria, e que não existem no contexto da península coreana. No entanto, se a cimeira entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte tiver um impacto duradouro, é essencial ir além da tentativa de forçar a Pyongyang a desnuclearizar e procurar um acordo estratégico mais amplo que vise a abertura do Norte ao mundo.
Historicamente, acabar com conflitos de longa data - por exemplo, domar o Khmer Vermelho, que foi responsável pelo genocídio cambojano nos anos 1970 - dependeu de estratégias abrangentes que deram prioridade ao desarmamento. Não há razão para acreditar que a situação será diferente com a Coreia do Norte. Afinal, a única alavancagem do país é o seu arsenal nuclear - e Kim sabe disso. O simples facto de ele ter finalmente concordado em realizar cimeiras com a Coreia do Sul e os EUA vem da sua confiança na dissuasão nuclear do seu país, por mais limitada que seja.
Kim já consagrou o status de armas nucleares da Coreia do Norte na constituição do país e ergueu monumentos para os mísseis de longo alcance lançados no ano passado. A sua moratória sobre os testes encaixa-se nessa narrativa, com Kim a apresentar-se como o líder de um Estado com armas nucleares que está a embarcar em iniciativas diplomáticas potencialmente marcantes.
Neste contexto, é importante notar que, embora as propostas de paz de Kim sejam motivadas pelo desejo de reconstruir a economia castigada pelas sanções, as sanções por si só não mudaram o comportamento de um país que está muito habituado a suportar dificuldades extremas. Pelo contrário, a escalada das sanções ajudou a alimentar os avanços nucleares e de mísseis da Coreia do Norte. Assim, garantir qualquer tipo de desnuclearização exigirá uma abertura económica mais efectiva.
A forma como os EUA lidam com o acordo nuclear com o Irão, de 2015, torna ainda menos provável que a Coreia do Norte concorde com um acordo de desnuclearização. Mesmo depois de assinar o acordo, o presidente Barack Obama manteve algumas sanções económicas rígidas, afectando, em particular, o sector financeiro do Irão. Para piorar as coisas, Trump parece disposto a cumprir a sua ameaça de se retirar do acordo com o Irão - ou pelo menos adicionar novas sanções - apesar da falta de evidências de que o Irão não tenha cumprido as suas obrigações.
E, no entanto, quando se trata da Coreia do Norte, a administração Trump permanece concentrada apenas na desnuclearização. Quando estão em causa questões de proliferação nuclear, os EUA costumam estabelecer uma posição maximalista publicamente, mas ser mais pragmáticos em negociações a portas fechadas. Por exemplo, o país tolera o arsenal nuclear do Paquistão – o que mais cresce no mundo -, embora esse país, nas palavras de Trump, "não nos tenha dado nada além de mentiras e enganos", fornecendo inclusive um "refúgio seguro aos terroristas que caçamos no Afeganistão".
Mas a mais recente declaração de Kim de que realizou o objectivo de dissuasão nuclear da sua "política byungjin" - o outro objectivo é a modernização económica - não é um orgulho vazio. O desafio da Coreia do Norte não é mais de não-proliferação nuclear. Acordos anteriores com o país, como o alcançado em 2005, não são mais relevantes.
É claro que os riscos apresentados pelo arsenal da Coreia do Norte devem ser abordados. Mas em vez de enfatizar a "desnuclearização" - o que implica um compromisso unilateral - os negociadores devem procurar garantir uma zona livre de armas nucleares (NWFZ) na península coreana. Isso também é essencial para concretizar a visão do presidente sul-coreano Moon Jae-in de cooperação económica mais próxima que aproveite os recursos naturais do Norte e as tecnologias avançadas do sul.
A abordagem sobre a NWFZ implicaria concessões de todas as partes. Sim, a Coreia do Norte teria que desnuclearizar. Mas todas as potências nucleares teriam que renunciar a ameaças sobre o uso de armas nucleares na península coreana. Além disso, navios de guerra estrangeiros que carreguem armas nucleares não podiam mais fazer ligações ali.
No entanto, para que uma NWFZ fosse possível, a Coreia do Sul teria de concordar em ficar de fora do guarda-chuva nuclear dos EUA - uma ideia que não é particularmente popular no país. De acordo com uma sondagem, a maioria dos sul-coreanos quer ir na direcção oposta, com os EUA a redistribuírem as armas nucleares que retiraram há mais de um quarto de século.
O problema com essa abordagem é claro: se o Sul não desistir da sua dissuasão nuclear, Kim perguntará porque é que o Norte tem de o fazer. Como assinalou Kim, tanto o iraquiano Saddam Hussein como o líbio Muammar Gaddafi enfrentaram terríveis consequências depois de terem renunciado às armas nucleares.
Só uma NWFZ apoiada pelos EUA pode atender às condições de desnuclearização a que o regime de Kim aludiu, incluindo a remoção de ameaças nucleares e um "compromisso de não introduzir os meios para realizar um ataque nuclear". Elementos de uma NWFZ podem ser realisticamente negociados juntamente com as disposições de um acordo de paz credível e abrangente, embora as negociações sejam indubitavelmente difíceis.
Se os EUA precisarem de uma motivação adicional para seguir essa abordagem, devem considerar o seguinte: é a China que enfrenta o maior desafio das armas nucleares da Coreia do Norte, na medida em que trabalha para suplantar os EUA como o poder dominante da Ásia. A única forma de mitigar a ameaça nuclear norte-coreana, sem dar vantagem à China, é mostrar uma verdadeira liderança diplomática na garantia de um acordo de paz abrangente na península coreana.
Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política em Nova Deli e membro da Academia Robert Bosch em Berlim, é autor de nove livros, incluindo Asian Juggernaut, Water: Asia’s New Battleground, e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.
Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria