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Aproximar a política monetária das pessoas

O período de consenso na política monetária pode estar a chegar ao fim. Nos Estados Unidos, o candidato presidencial republicano, Donald Trump, desafiou a independência dos governadores da Fed e tornou claro que substituirá rapidamente a líder da Fed se for eleito.

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O Reino Unido adoptou tarde a independência do banco central porque a então primeira-ministra, Margaret Thatcher, opunha-se firmemente à ideia de que banqueiros que não fossem eleitos pudessem controlar as taxas de juro. Thatcher chegou mesmo a dizer que jamais entregaria esse controlo e o Banco de Inglaterra só foi libertado em 1997, quando o primeiro Governo trabalhista, liderado por Tony Blair, foi eleito.

 

A Velha Dama de Threadneedle Street, como por vezes é conhecido o Banco de Inglaterra, viveu 303 anos até que lhe fosse dada autorização para tomar as suas próprias decisões – e cometer os seus próprios erros. A Reserva Federal dos Estados Unidos e o germânico Bundesbank há muito que eram independentes, mas a maioria dos outros países europeus apenas seguiram esse exemplo durante o processo anterior ao estabelecimento da união monetária. Por sua parte, o Banco de França tinha ficado, desde a época de Napoleão, "nas mãos do Governo mas não de uma forma muito óbvia".

 

Durante os últimos 20 anos, a independência dos bancos centrais marcou uma espécie de "fim da história" para a política monetária, depois de muitos outros regimes terem sido tentados e terem falhado. Nos anos que antecederam a crise financeira mundial de 2008, os bancos centrais independentes eram vistos como bem-sucedidos no que diz respeito ao controlo da inflação; e os países com défices orçamentais significativos estavam especialmente entusiasmados com a independência dos bancos centrais porque beneficiavam de taxas de juro baixas no longo prazo. Aos bancos centrais que regulavam o sector bancário eram colocadas questões difíceis sobre a sua falta de preocupação em época de expansão rápida do crédito. Mas eram também amplamente elogiados pelas suas respostas rápidas e firmes quando os problemas chegavam.

 

O período de consenso na política monetária pode estar a chegar ao fim. Nos Estados Unidos, o candidato presidencial republicano, Donald Trump, desafiou a independência dos governadores da Fed e tornou claro que substituirá rapidamente a líder da Fed se for eleito. Na Europa, as políticas de alívio quantitativo do Banco Central Europeu têm sido muito criticadas e o presidente do BCE, Mario Draghi, teve recentemente de defender a sua abordagem perante um parlamento alemão bastante crítico.

 

Os políticos britânicos já começaram a protestar, apesar de, criticar o Banco de Inglaterra ser, há muito, o equivalente a uma blasfémia para a igreja. A primeira-ministra britânica, Theresa May, num discurso recente na conferência do Partido Conservador notou que "a política monetária teve alguns efeitos secundários maus. As pessoas que têm activos ficaram mais ricas. As pessoas que não têm activos sofreram…uma mudança tem de acontecer. E vamos produzi-la".

 

William Hague, um antigo líder conservador influente, foi ainda mais claro quando fez recentemente uma ameaça pouco velada: se os bancos centrais não "mudarem o rumo em breve, vão verificar que a sua independência está cada vez mais sob ataque". Neste caso, acrescentou, "a era da sua muito celebrada independência vai chegar ao fim, possivelmente de uma forma muito dramática".

 

Apesar de May ter negado qualquer divisão entre o seu Governo e o Governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, é claro que a política monetária tornou-se um tema do debate político pela primeira vez em 20 anos. Em resposta a estes ataques heréticos, Carney soa delicado e compreensivo; e Draghi respondeu aos argumentos dos seus críticos.

 

Mas Andreas Dombret, membro da Comissão Executiva do Bundesbank, adoptou outra postura. Na conferência da Associação dos Banqueiros Britânicos em Londres, em Outubro, disse: "pode ser tempo de recordar que a independência dos bancos centrais não é discutível". "Os políticos são bem aconselhados para não exercerem influência nos locais errados".

 

É possível ver o argumento de Dombret. Uma declaração descuidada sobre a política monetária pode afectar os mercados e os políticos têm de ter cuidado com o que desejam. Mas dificilmente vão concordar com o facto de a independência dos bancos centrais "não ser discutível". Provavelmente, vão pedir aos tecnocratas mais humildade, porque o que os políticos dão também podem tirar. Apenas porque estão a debater as implicações sociais da política monetária não significa que estejam a questionar a legitimidade de quem a gere.

 

Para ser claro, este é um território delicado. Há um poderoso argumento a favor dos bancos centrais que, isolados das pressões políticas de curto prazo, têm sido cuidadosos guardiões da estabilidade dos preços e têm prestado um bom serviço à economia mundial. Não é claro que, se as taxas de juro voltarem a ser administradas politicamente, isso possa ter benefícios para além do imediato.

 

Contudo, há que admitir que as políticas de alívio quantitativo em grande escala dos bancos centrais leva-os a um território que ainda não foi explorado, onde os limites entre a política monetária e orçamental não são claros. No Reino Unido, por exemplo, o Tesouro decide o nível de intervenção económica e o Banco de Inglaterra determina o momento e a forma da sua implementação. Assim a independência do banco central não é absoluta.

 

Os bancos centrais têm de demonstrar que entendem as pressões políticas e as circunstâncias pouco usuais que taxas de juro de zero, ou mesmo negativas, criam. Os aforradores queixam-se que estão a ser penalizados pela sua prudência. Recusar debater isto e outras implicações das políticas monetárias actuais não é uma resposta aceitável.

 

A independência dos bancos centrais exige mais responsabilidade e transparência na forma como as políticas são explicadas ao público. Há que reconhecer que o Banco de Inglaterra tem vindo a demostrar o caminho com uma série de fóruns abertos pelo Reino Unido. Levar a política monetária às pessoas pressupõe um investimento de tempo mas é essencial para manter o consenso necessário para apoiar essa independência.

 

Howard Davies é Chairman do Royal Bank of Scotland.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro
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