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12 de Fevereiro de 2013 às 23:30

Ambições “anti-frágeis” da China

A China chegou, mais uma vez, a uma encruzilhada na sua jornada rumo à prosperidade inclusiva e sustentável. No Congresso do Partido Comunista Chinês de Novembro, a nova liderança foi encarregada de traçar o caminho do país para os próximos dez anos, o que implica modernizar os sistemas económicos, políticos e sociais da China, dentro das limitações da sua história e do seu contexto geopolítico.

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Seja qual for a referência, a agenda de reformas é ambiciosa – especialmente dada a fragilidade e adversidade do ambiente externo. Durante a próxima década, os dirigentes chineses devem conceber e implementar reformas para combater a corrupção, apoiar a migração para as cidades (por exemplo, liberalizar o sistema de registo de habitação), promover a inovação tecnológica, reequilibrar as fontes de crescimento económico, elevar os padrões ambientais e laborais, e criar um sistema que inclua serviços de saúde, de educação, e segurança social.

 

Para assegurar a sustentabilidade do sistema, o projecto deve ter em conta o que Nassim N. Taleb chamou de eventos raros do tipo “Cisne Negro” – que, como demonstrou a crise económica global, existem e têm consequências devastadoras. Contudo, medidas para tornar os sistemas mais resilientes e robustos seriam incompletas. Não basta que sejam capazes de controlar a volatilidade; devem servir para lucrar com o stress e o caos. 

 

Recentemente, Taleb cunhou o termo “anti-frágil” para descrever um sistema que beneficia da incerteza, da volatilidade e da desordem. Defende que, embora os sistemas rígidos possam parecer mais estáveis, não estão preparados para lidar com choques inesperados, tornando-se assim frágeis, a longo prazo. Por outro lado, a exposição frequente a uma volatilidade temporal e local obriga os sistemas a serem mais dinâmicos e flexíveis, melhorando a sua capacidade de prosperar sob pressão.

 

Diante disso, em vez de permitir que a procura pela máxima eficiência leve as estruturas ao limite, devem integrar-se redundâncias (capacidades equivalentes que são implementadas de forma distintas) nos sistemas. Estas medidas de baixo custo fomentam a “anti-fragilidade” de longo prazo, ao mesmo tempo que controlam os benefícios das futuras melhorias que possam compensar os eventos do tipo “Cisne Negro”.

 

A “anti-fragilidade” é crucial nas grandes economias como a China, onde a administração está amplamente centralizada, mas as actividades estão dispersas entre as famílias, a sociedade civil, os mercados e os distintos níveis do governo. O grande desafio da China é conseguir um equilíbrio entre as tradições descentralizadas, que se baseiam na famílias, e a governação centralizada, o que ajudaria a desenvolver nas suas instituições o tipo de “anti-fragilidade” que está presente na sua cultura.

 

A China tem vindo a lutar para equilibrar a centralização e a fragmentação – ou seja, controlo e incerteza – ao longo da usa história de dinastias emergentes e decadentes, decadência interna e invasão estrangeira. Ainda que a selecção aberta e meritocrática de “funcionários” tenha contribuído para manter a estrutura dinástica de governação da China por mais de dois mil anos, não pôde compensar a fragilidade crescente do sistema sob a dinastia Qing, uma vez que o crescimento do território levou a um aumento da população do império de 150 para 450 milhões. A corrupção desenfreada, a crescente contestação social e a incapacidade para fazer frente às potências modernas do Ocidente levaram a dinastia a cair em 1912.

 

O governo nacionalista que se seguiu, que estabeleceu a República da China, também não conseguiu resolver a tensão entre centralização e fragmentação – o que o historiador Ray Huang chamou de “descontrolo matemático” da China. De facto, nunca se desenvolveram as infra-estruturas de direitos de propriedade ou as políticas monetárias e fiscais necessárias numa economia agrária com um governo de elite.

 

Ao reforçar efectivamente os direitos de propriedade e ao implementar políticas nacionais, o Partido Comunista Chinês tornou-se no mecanismo institucional que ultrapassou a divisão entre as elites (o partido) e as massas. No entanto, nos anos 1958-1961, a planificação centralizada excessiva para apoiar o Grande Salto em Frente (intensa campanha de Mao Zedong para industrializar e colectivizar a economia da China) gerou uma fragilidade sistémica.

 

A situação começou a melhorar em 1978, quando Deng Xiaoping começou a implementar reformas orientadas para o mercado e a abrir a economia, dando à China acesso a novas oportunidades de crescimento económico e de emprego. Através das chamadas Quatro Modernizações, os sectores cruciais da agricultura, indústria, defesa nacional, e ciência e tecnologia, fortaleceram-se.

 

Ao mesmo tempo, a China foi lenta a abrir o seu sistema financeiro – mesmo quando outras economias do leste asiático perseguiram a eficiência, liberalizando as suas contas de capital nos anos noventa. Como resultado, quando surgiu a crise financeira asiática, em 1997, a China ficou isolada da volatilidade que arrasou os seus vizinhos mais frágeis. Na verdade, a crise tornou-se uma oportunidade que levou a China a aderir à Organização Mundial do Comércio, implementar reformas no sistema financeiro e nas empresas do Estado, cotar os principais bancos na bolsa e a privatizar o serviço público de habitação.

 

Contudo, muitas das medidas “anti-fragilidade” da China foram parciais e incompletas. A necessidade de reformar as empresas do Estado, por exemplo, permanece na agenda devido ao grande grupo de interesses que se opõe a uma maior privatização e a reformas com base no mercado.

 

Os líderes da China devem agora identificar as áreas específicas onde é preciso construir a “anti-fragilidade”, e abordar as reformas necessárias de forma prudente. Ao mesmo tempo que devem assegurar que as reformas são abrangentes, devem também evitar fazer muito, e muito rápido, o que poderia provocar a resistência de agentes profundamente posicionados ou, involuntariamente, desencadear perigosas reações em cadeia.

 

Felizmente, a situação fiscal e cambial da China é relativamente forte e pode proteger a economia contra choques a curto prazo. Além disso, apesar da fragilidade do país induzida pela corrupção, a capacidade da burocracia para implementar políticas é forte.

 

Um grande desafio será delinear o papel e responsabilidades do Partido, do Estado, do mercado e da sociedade civil. Dada a comprovada capacidade do governo para intervir, a opção por defeito durante uma crise tem sido apoiar-se em medidas administrativas em vez de forças de mercado. Permitir uma auto-correcção desordenada do mercado, exigiria confiança em todos os níveis do governo, desde o governo central até às administrações locais, e também entre as empresas do Estado.

 

Além disso, os dirigentes chineses devem criar poder institucional suficiente no sistema judicial, sociedade civil e nos meios de comunicação para implementar o Estado de direito e fortalecer a “anti-fragilidade” de longo prazo. Isso implica prevenir abusos administrativos, estabelecer a igualdade de condições para as empresas públicas e privadas, e separar as instâncias reguladoras das entidades reguladas.

 

À medida que empreendem reformas estruturais em numerosos sectores, os dirigentes chineses têm oportunidade de reforçar a prosperidade de longo prazo do seu país. No entanto, o sucesso implica um equilíbrio entre a manter a estabilidade sistémica e permitir a adaptação e crescimento da enorme economia do país – um desafio com o qual a China se tem confrontado durante séculos.

 

Andrew Sheng, presidente do Fung Global Institute, é um ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários e Futuros de Hong Kong, e é actualmente professor adjunto na Universidade de Tsinghua, em Beijing. Xiao Geng é director de pesquisa do Fung Global Institute.

 

© Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org 

Tradução: Rita Faria 

 
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