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13 de Fevereiro de 2013 às 23:45

A última aterragem suave chinesa?

Mais uma vez, a China desafiou os negativistas. O crescimento económico recuperou, no último trimestre de 2012, para 7,9% - meio ponto percentual mais do que o crescimento do PIB de 7,4% registado no terceiro trimestre. Este foi um aumento significativo, após dez trimestres consecutivos de abrandamento e marca a segunda “aterragem” suave da economia chinesa em pouco menos de quatro anos.

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Apesar dos comentários sobre a próxima mudança para fomentar a procura interna, a China mantém a sua forte dependência das exportações e da procura externa para impulsionar o seu crescimento económico. Não é coincidência que os últimos dois abrandamentos se tenham verificado pouco depois da queda no crescimento dos seus dois maiores mercados externos: Europa e Estados Unidos. Assim como a “aterragem” suave do início de 2009 ocorreu logo depois de uma grande crise na manufactura norte-americana, esta última foi posterior à crise da dívida soberana europeia.

 

A China conta com muitas fontes de força que lhe permitiram suportar os duros golpes externos dos últimos quatro anos. Uma grande disponibilidade de poupança (53% do PIB), que actua como amortecedor, e reservas cambiais (3,3 biliões de dólares) encabeçam a lista. Além disso, ao contrário do Ocidente, que usou a maior parte da sua tradicional munição política anti-cíclica, a China manteve uma ampla margem para os seus ajustes da política orçamental e monetária, segundo o ditem as circunstâncias. Da mesma forma, uma poderosa dinâmica de urbanização continua a brindar uma sólida base para o elevado nível de investimentos da economia chinesa, ao mesmo tempo que permite que os trabalhadores rurais relativamente pobres aumentem os seus rendimentos com empregos melhor remunerados nas cidades.  

 

No entanto, esta pode ser a última vez que a China escapa de um choque externo sem que o seu crescimento seja prejudicado. O primeiro-ministro Wen Jiabao comentou esta possibilidade, há quase seis anos, quando disse, em Março de 2007, que a aparentemente espectacular economia chinesa se tinha tornado “instável, desequilibrada, descoordenada e, em última instância, insustentável”.

 

Desde então, muitas das forças inerentes chinesas foram minadas por choques extermos demasiado frequentes. O sector bancário ainda procura recuperar dos créditos de cobrança duvidosa concedidos no rescaldo da crise mundial de 2008. Encontrar casas acessíveis tornou-se um problema cada vez mais sério para aqueles que se mudam pela primeira vez para as cidades. E os escândalos de corrupção e os riscos relacionados com a agitação política foram inquietantes, para não dizer algo pior, nos meses anteriores à transição na liderança do Partido Comunista, no ano passado.

 

Por outras palavras, a vulnerabilidade associada aos quatro problemas enunciados por Wen aumentou significativamente. A economia chinesa certamente se tornou mais instável, com grandes abrandamentos no crescimento real do PIB em 2009 e novamente em 2012. Os seus desequilíbrios também pioraram: a participação do investimento no PIB aproxima-se de 50% e o consumo privado caiu para abaixo de 35% do PIB.

 

De forma semelhante, a China tornou-se mais descoordenada, ou fragmentada, à medida que as disparidades nos rendimentos continuam a aumentar. E a sustentabilidade foi comprometida pela degradação ambiental e pela poluição, que implicam uma crescente ameaça à atmosfera do país e ao fornecimento de água.

 

Em suma, exigiu-se ao modelo de crescimento chinês como nunca antes. E, como acontece com um pedaço de tecido, quanto mais tempo esticado, mais lhe custará regressar ao seu estado anterior – e maior será a possibilidade de que não volte a esticar-se, da próxima vez, que algo corra mal.

 

A mensagem para o novo governo chinês é inequívoca: nunca foi tão urgente como agora assumir a dura tarefa de reequilibrar e reformar. Este é o momento para implementar medidas que acelerem a transição para uma economia com maior ênfase nos consumidores.

 

A agenda é longa, mas dificilmente secreta. Inclui desenvolver o sector dos serviços, financiar a rede de segurança social, liberalizar um antiquado sistema de autorizações residenciais (hukou), reformar as empresas de propriedade estatal, e terminar a repressão financeira sobre os lares, aumentando as taxas de juro artificialmente baixas que são oferecidas pelas poupanças.

 

Se a China não age rapidamente neste programa, ficará demasiado vulnerável ao próximo e inevitável choque num mundo agredido pelas crises. Se não se reequilibra, qualquer dos seguintes potenciais pontos de inflexão poderá comprometer gravemente a capacidade da economia para obter outra “aterragem” suave: a deterioração da qualidade de crédito no sistema bancário; o enfraquecimento da competitividade nas exportações, à medida que aumentam os salários; os problemas-chave ambientais, governamentais e sociais (nomeadamente, poluição, corrupção e desigualdade); e, claro, erros na sua política externa, como sugerem os crescentes problemas com o Japão.

 

A economia chinesa superou duas importantes crises mundiais, nos últimos quatro anos. Na superfície, a sua capacidade de recuperação foi impressionante: foi a primeira a recuperar, como os líderes chineses gostam de recordar ao resto do mundo. Mas, abaixo da superfície, uma economia desequilibrada, instável, descoordenada e insustentável corre o risco de perder a sua capacidade de recuperação. Sem reequilibrar e implementar reformas, os dias de “aterragem” suave automática chinesa podem ter chegado ao seu fim.

 

Há 15 anos que sou optimista em relação à China. Ainda sou. Mas, o tempo está a passar. A crítica de Wen Jiabao, feita há seis anos, foi um diagnóstico poderoso das falhas da China no passado, que indicavam o caminho para as esperanças e sonhos da China futura. Ainda representa um programa que a nova liderança chinesa não pode ignorar. O tempo já não está a favor da China. É hora de actuar.

 

Stephen S. Roach, membro do corpo docente da Universidade de Yale, foi presidente do Morgan Stanley Asia e é autor de "The Next Asia". 

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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