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Opinião
13 de Agosto de 2015 às 20:00

A transição atrofiada da Tailândia

Um ano depois do 12º golpe militar na Tailândia em 83 anos de ordem constitucional, e numa altura em que avança o controverso julgamento da ex-primeira-ministra, Yingluck Shinawatra, por negligência criminal, o futuro do país é perigosamente incerto.

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Nos meses vindouros, a calma militarmente imposta vai coexistir com uma ansiedade crescente face ao que se seguirá ao reinado de quase sete decénios do rei King Bhumibol Adulyadej. Irá o compromisso e a acomodação mútua, extremamente rara nos anos mais recentes, permitir à Tailândia redefinir a sua contentada ordem política – actualmente apoiada por uma elite guiada pela hierarquia monárquica – de forma a melhor reflectir os princípios de uma democracia eleitoral?

 

Três factores definiram a política tailandesa ao longo do último ano. Primeiro, ao contrário de tentados e testados arranjos pós-golpe de Estado do passado, a junta que assumiu o poder em Maio último, o Conselho Nacional para a Paz e Ordem, decidiu governar directamente com o líder do golpe, o general Prayut Chan-ocha, assumindo a liderança em vez de apontar uma figura capaz e reconhecida para a oposição.

 

Generais de quatro estrelas também ocuparam posição ministeriais de topo, desde o comércio e transportes ao trabalho e educação. Em vez de um diplomata de carreira, até mesmo o ministro dos Negócios Estrangeiro é um general. Os poucos tecnocratas do governo, incluindo o vice-primeiro-ministro e o ministro das Finanças, são remanescências do anterior golpe de Estado de 2006-2007, e mesmo esses reclamam pela sua falta de autoridade.

 

Esta abordagem produziu uma estratégia económica pouco coerente e vaga, com metas políticas lentamente implementadas. Mas é pouco provável que tal mude. Os novos líderes militares da Tailândia vêem-se a si mesmos como uma tripulação encarregue da limpeza, incumbida de erradicar a corrupção, de manter os políticos na linha e de restaurar a velha ordem apoiada pela relação simbiótica entre militares e monárquicos, com a burocracia encarregue da gestão do dia a dia.

 

Os governantes militares da Tailândia não enjeitam assegurar capacidade de resposta às exigências da população nem rejeitam o imperativo de adaptação à globalização. Esperam estabelecer leis eleitorais que possam funcionar no âmbito de uma ordem política baseada nas instituições tradicionais e costumes tailandeses.

O seu objectivo é o de fazer o país dar alguns passos atrás e para os lados, com o intuito de posteriormente seguir em frente, mas numa direcção completamente diferente. 

 

Por agora, isto significa promover valores convencionais conservadores como a disciplina, deferência, dever e sacrífico. Os funcionários públicos foram pressionados a usar os habituais uniformes "khaki" e as mulheres encorajadas a utilizar vestidos tradicionais. Até os famosos mercados flutuantes nos canais de Bangkok estão de regresso, sob ordem de Prayut.

 

Ao mesmo tempo, a agenda da junta implica medidas de controlo das políticas tailandesas – em particular, marginalizando oponentes, especialmente políticos ligados à influência da família Shinawatra. Na verdade, o segundo principal factor modelador do interregno pós-golpe foi a destituição de Yingluck Shinawatra, irmã da antiga primeira-ministra Thaksin Shinawatra, que foi deposta pelos militares em 2006 e permanece no estrangeiro num auto-imposto exílio. Yingluck foi banida da política tailandesa por cinco anos.

 

O dilema para a junta é que os apoiantes de Thaksin – que são em número suficiente para terem assegurado que os seus partidos venceriam todas as eleições desde 2001 – também foram marginalizados e dispõem de pouca margem para falar face à lei marcial e ao absolutismo de Prayut. Apesar de se terem mantido sossegados desde o golpe, irão certamente manobrar de forma a reentrar na luta política assim que novas oportunidades políticas emerjam. Em qualquer dos casos, eles terão de ser tidos em conta com o passar do tempo, assim que surja uma nova ordem política.

 

Claro que a junta espera construir os alicerces para a futura ordem política agora, de acordo com os seus próprios termos, adoptando uma nova Constituição. Este esforço – que até ao momento assegurou a criação do Comité para a Redacção da Constituição (CDC, na sigla inglesa), composto por 36 membros, e do Conselho Nacional de Reformas, composto por 250 membros, para apoiar a redacção da nova Constituição – assinala o terceiro factor-chave que tem influenciado a política doméstica ao longo do último ano.

 

O projecto da Constituição terminado em Março levantou sérias preocupações, colocando excessivos controlos sobre os partidos e os próprios políticos, ao mesmo tempo que atribui a alguns burocratas e juízes o poder de anular decisões políticas tomadas por autoridades eleitas. Eleições conduzidas de acordo com tal constituição dificilmente poderão produzir resultados legítimos. A boa notícia é que a junta aceitou levar o projecto da Constituição a referendo popular no início do próximo ano, apesar de que isso provavelmente signifique que as prometidas eleições não serão realizadas até Agosto como previsto.

 

O regime militar limpou as ruas, bloqueou o sistema político e iniciou uma longa transição para um novo, mas ainda indefinido acordo. Enquanto as forças anti-golpe apoiam o regresso da democracia eleitoral, a coligação pró-golpe, liderada pelo Partido Democrata, está a realinhar-se progressivamente contra os militares, na esperança de manter o poder no sistema pós-golpe que venha a emergir.

 

Para já, a Tailândia está presa entre o autoritarismo e a democracia, entre o passado e o futuro – e irá provavelmente manter-se assim até que o longo crepúsculo real tenha passado. Quando chegar essa altura, a população tailandesa, fustigada pela polarização doméstica e pelos desafios regionais, terá de reunir as suas outrora famosas capacidades negociais para atingir um compromisso exequível baseado nos seus próprios interesses partilhados. 

 

Thitinan Pongsudhirak, é professor e director do Instituto de Segurança e Estudos Internacionais na Faculdade de Ciência Política da Universidade de Chulalongkorn, em Banguecoque.

 

Direiros de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
 

Tradução: David Santiago

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