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A Organização das Nações Unidas aos 70 anos

Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio geraram um progresso impressionante no que diz respeito à redução da pobreza, saúde pública, matrículas nas escolas, igualdade de género na educação e em outras áreas.

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O 70º aniversário das Organização das Nações Unidas (ONU) vai ser marcado pelo encontro dos líderes mundiais na sede da organização, em Nova Iorque, este mês de Setembro. Ainda que vá existir muita fanfarra, esta não vai reflectir o valor da ONU, não apenas como uma das inovações políticas mais importantes do século XX mas também como o melhor pacto no planeta. Mas se a ONU vai continuar a cumprir o seu papel mundial único e vital no século XXI, tem de ser alvo de melhorias em três áreas fundamentais.

 

Felizmente, há muito para motivar os líderes mundiais a fazer o que é preciso. De facto, a ONU teve recentemente dois grandes triunfos e outros dois estão a caminho até ao final do ano.

 

O primeiro triunfo foi o acordo nuclear com o Irão. Por vezes, mal interpretado com um acordo entre o Irão e os Estados Unidos, o acordo é de facto entre o Irão e as Nações Unidas, representada por cinco membro permanentes do Conselho de Segurança (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) e a Alemanha. Como um diplomata iraniano, explicando porque é que o seu país vai cumprir escrupulosamente o acordo, apontou vivamente: "Acreditam realmente que o Irão vai atrever-se a enganar os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU que podem selar o destino do país?".

 

O segundo grande triunfo foi a conclusão bem-sucedida, depois de 15 anos, dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, que têm apoiado o maior, mais longo e mais efectivo esforço mundial para reduzir a pobreza. Dois secretários-gerais da ONU supervisionaram os Objectivos: Kofi Annan, que os introduziu no ano 2000, e Ban Ki-moon, que, desde que sucedeu a Annan em 2007, trabalhou vigorosamente e eficazmente de forma a alcançá-los.

 

Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio geraram um progresso impressionante no que diz respeito à redução da pobreza, saúde pública, matrículas nas escolas, igualdade de género na educação e em outras áreas. Desde 1990 (data de referência para os objectivos) que a taxa mundial de pobreza extrema foi reduzida em mais de metade – mais do que cumprindo o primeiro objectivo da agenda.

 

Inspirados pelo sucesso dos Objectivos para o Desenvolvimento do Milénio, os países membros da ONU preparam-se para aprovar este mês os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável – que visam terminar com a pobreza extrema em todas as suas formas em todos os lugares, diminuir as desigualdades e assegurar a sustentabilidade ambiental até 2030. Isto, que será o terceiro triunfo da ONU em 2015, pode ajudar a que o quarto seja alcançado: um acordo mundial sobre o controlo climático sob a tutela da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, no próximo mês de Dezembro, em Paris.

 

O valor preciso da paz, redução da pobreza e cooperação ambiental tornada possível pela ONU é incalculável. Contudo, se colocarmos em termos monetários, poderemos estimar o seu valor em biliões de dólares por ano – pelo menos uma pequena percentagem do PIB da economia mundial anual de 100 biliões de dólares.

 

Ainda assim, os gastos em todas as actividades e unidades da ONU – desde a Secretária e do Conselho de Segurança até às operações de segurança, respostas de emergência a epidemias, operações humanitárias para desastres naturais, fome e refugiados – totalizam cerca de 45 mil milhões de dólares, cerca de seis dólares por pessoa no planeta. Isto não é apenas barato, um subinvestimento importante. Dado o rápido crescimento da necessidade para a cooperação mundial, as Nações Unidas não podem simplesmente consegui-lo com o orçamento actual.

 

Posto isto, a primeira reforma que sugeriria é um aumento do financiamento, com os países com elevados rendimentos a contribuírem com, pelo menos, 40 dólares per capital anualmente, os países com rendimentos médios a altos dando oito dólares, os países com rendimentos médios a baixos contribuindo com dois dólares e os países com baixos rendimentos dando um contributo de um dólar. Com estas contribuições – que iriam representar cerca de 0,1% dos rendimentos médios do grupo – a ONU teria cerca de 75 mil milhões de dólares com os quais podia fortalecer a qualidade e o alcance de programas vitais, começando por aqueles que precisam de alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

Quando o mundo estiver numa trajectória robusta para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável a necessidade de, digamos, operações de manutenção de paz e de alívio de emergência deve cair à medida que os conflitos diminuem em número e em escala e os desastres naturais possam evitados de uma forma mais correcta ou antecipados.

 

Isto leva-nos à segunda grande área de reformas: assegurar que a ONU está preparada para uma nova era de desenvolvimento sustentável. Especificamente, a ONU precisa de fortalecer os seus conhecimentos em áreas como saúde dos oceanos, sistemas de energia renovável, design urbano, controlo de doenças, inovação tecnológica, parcerias público privadas e cooperação cultural pacifica. Alguns programas da ONU devem ser fundidos ou encerrados enquanto outros, relacionados com os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, deveriam ser criados.

 

A terceira grande reforma imperativa é a governação da ONU, começando pelo Conselho de Segurança cuja composição já não reflecte a realidade geopolítica. De facto, a Europa Ocidental e outros grupos são três dos cinco membros permanentes (França, Reino Unido e Estados Unidos). Isso deixa apenas uma posição permanente para o grupo da Europa de Leste (Rússia) e uma posição para o grupo Ásia Pacífico (China) e nenhuma para África ou América Latina.

 

A rotação de lugares no Conselho de Segurança não restaura adequadamente o equilíbrio regional. Mesmo com dois dos dez lugares rotativos no Conselho de Segurança, a região da Ásia- Pacífico continua a estar muito sub-representada. A região da Ásia Pacífico representa aproximadamente 55% da população mundial e 44% do seu rendimento anual mas apenas 20% (três num total de 15) dos lugares no Conselho de Segurança.

 

A representação desadequada da Ásia é uma ameaça séria à legitimidade da ONU. A Ásia está a aumentar o seu papel de região mais dinâmica e populosa com a sua importância mundial a crescer. Uma forma possível de resolver o problema seria adicionar pelo menos quatro lugares asiáticos: um lugar permanente para a Índia, um partilhado entre o Japão e a Coreia do Sul (talvez com uma rotação de ano a ano ou de dois em dois anos), um lugar para os países da ASEAN (representando o grupo) e um quarto lugar rotativo entre os restantes países asiáticos.

 

À medida que a ONU entra na sua oitava década, continua a inspirar a humanidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos continuar a ser um marco moral do mundo e os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável prometem dar novas orientações para a cooperação mundial para o desenvolvimento. Ainda assim, a capacidade das Nações Unidos para continuar a cumprir o seu vasto potencial num novo e desafiante século exige que os seus estados-membros comprometam-se com o apoio à organização com recursos, apoio político e reformas que esta nova era exige.

 

Jeffrey D. Sachs, professor de Desenvolvimento Sustentável, professor de Políticas e Gestão de Saúde e director do Earth Institute na Columbia University, é também conselheiro especial do Secretário-Geral das Nações Unidas nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.


Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org


Tradução: Ana Laranjeiro

 




 

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