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Opinião
30 de Março de 2015 às 20:00

A implosão do Bangladesh

O Bangladesh está novamente à beira de um colapso político? Com a explosão de bombas que quase tiraram a vida do primeiro-ministro, Sheikh Hasina, o líder da oposição, Khaleda Zia, acusado de assassinato, protestos violentos e incêndios a varrerem a capital, o país parece estar à beira de um abismo terrível.

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Claro, o Bangladesh há muito tem sido atormentado pela volatilidade. Quando o país se tornou independente no início da década de 70, na sequência da guerra sangrenta da libertação contra o exército paquistanês, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, previu que a economia do novo país seria o seu calcanhar de Aquiles. Mas o Bangladesh provou-lhe que estava errado: o país está a ser desfeito não pela sua economia, mas pelas suas políticas disfuncionais.

 

Depois de um início difícil, a economia do Bangladesh desenvolveu-se rapidamente, com o crescimento anual do PIB a atingir os 6%, em média, nas últimas duas décadas. Os indicadores sociais do país melhoraram de forma significativa também – superando mesmo os da sua vizinha, Índia, em áreas importantes. Dado um período prolongado de calma política, o Bangladesh deveria estar a caminho dos "rankings" de países de rendimento médio.

 

Em vez disso, a instabilidade política está a colocar em risco o progresso social e económico. Os dois principais partidos políticos, o líder Awami League e o da oposição Bangladesh Nationalist Party (BNP), estão envolvidos num duelo mortal sobre a própria legitimidade do governo.

 

Nas últimas oito semanas, cerca de 100 pessoas morreram devido à violência política. Milhares de pessoas ficaram feridas. Milhões de dólares em bens foram danificados ou destruídos. A actividade de empresas, incluindo a produção agrícola, foi interrompida. Novos investimentos, estrangeiros e locais, têm sido amplamente suspensos. As exportações de mão-obra e peças de vestuário, as linhas da vida da economia do Bangladesh, sofreram duros golpes.   

 

A morte e a destruição à volta das eleições e da sucessão política não são, infelizmente, nada de novo no Bangladesh. A violência política tem sido uma praga recorrente desde o nascimento do país. Durante mais de quatro décadas de independência, o Bangladesh tem feito pouco progresso no estabelecimento de uma política democrática manobrável.

 

Parece haver pouca razão para tais divisões num país que se orgulha da sua homogeneidade étnica e linguística – de facto, emergiu de uma luta política para estabelecer os direitos democráticos do povo do este do Paquistão dentro do Paquistão. O pecado original do Bangladesh pode ter sido a sua constituição apressada de 1972, que atribuiu poderes extravagantes, com sistema de controlos e equilíbrios, ao primeiro-ministro, uma posição para ser assumida pelo pai do fundador do país, Sheikh Mujibur Rahman.

 

Nas décadas de 70 e 80, o país suportou tumultos com o governo de estilo presidencial, que normalmente ocultava o autoritarismo civil ou militar. Na década de 90, uma forma de governo parlamentar foi reestabelecida e o pináculo do poder mudou do presidente para o primeiro-ministro; mas o ambiente político não melhorou.

 

Desde 1991, o cargo do primeiro-ministro rodou entre duas mulheres muçulmanas de alto escalão, que herdaram o manto da liderança quando um familiar do sexo masculino foi assassinado. Hasina é filha de Sheikh Mujibur, que foi morto durante um golpe de 1975. A sua rival, Zia, era a esposa de Ziaur Rahman, um ditador militar que conheceu um destino similar em 1981.

 

Embora haja pouco amor entre as duas mulheres, elas diferem pouco em termos de políticas económicas e sociais – ou na forma como conduzem os seus partidos: como uma empresa familiar. Os seus governos abreviaram os direitos civis, políticos e humanos. As detenções arbitrárias, as execuções ilegais, as pressões exercidas sobre a liberdade de expressão e as condições de trabalho abusivas tornaram-se cada vez mais predominantes. Como os controlos e equilíbrios foram eliminados, o que emergiu foi uma democracia encolhida na qual um primeiro-ministro autoritário assumiu o poder arrogante da sua presidência autocrática.

 

Os partidos de ambas as mulheres revelaram-se inaptos na governação e corruptos na administração. O Bangladesh está perto da liderança dos "rankings" dos países mais corruptos do mundo. Em 2012, os doadores internacionais sob a liderança do Banco Mundial, citando preocupações sobre corrupção, cancelaram um grande empréstimo para financiar a construção da maior ponte do país.

 

Uma vez no poder, cada partido faz o seu melhor para manipular as eleições e excluir o outro. A crise actual remonta a Junho de 2011, quando Hasina alterou a constituição para derrubar a prática de 15 anos de permitir uma administração neutra, interina para vigiar as eleições parlamentares do país. Temendo a fraude eleitoral, o BNP e os seus aliados boicotaram as eleições de 2014. Como resultado, 154 dos 300 lugares foram contestados.

 

O assédio dos líderes da oposição ao governo, afectado pela proibição do principal aliado político do BNP, Jamaat-e-Islami, pelo seu suposto extremismo religioso, não tem feito nada para arrefecer a tensão. Zia prometeu que o seu partido e a sua aliança vão continuar a boicotar as urnas até que decorram eleições livres e justas.

 

Seja qual for o desfecho da crise actual, a situação não deverá melhorar. Se o governo for bem-sucedido a esmagar os seus opositores, as feridas vão durar anos, se não décadas. Mesmo um compromisso entre o Awami League e o BNP traria apenas um alívio temporário, a menos que aborde os problemas de governação do país.

 

Alcançar a estabilidade política de longo prazo vai requerer reformas profundas das instituições democráticas do Bangladesh – um esforço que não pode ser realizado sem a colaboração sincera entre o governo e a oposição. O primeiro passo deve ser um acordo entre ambos os lados para iniciarem um diálogo sério, antes da crise actual entrar numa anarquia violenta. Além disso, a menos que o Awami League e o BNP comecem a profissionalizar as suas organizações e a acabar com a corrupção, é improvável que o progresso económico e social seja mantido.

 

M.G. Quibria, antigo conselheiro do Asian Development Bank Institute, é professor de Desenvolvimento Internacional na Universidade Morgan State e membro do Policy Research Institute, no Bangladesh

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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