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23 de Maio de 2016 às 20:30

A ilusória liderança global da China

Apesar do abrandamento da economia, o governo chinês está a esforçar-se para que o país se assuma como uma potência global. Mas não está a ser uma tarefa fácil.

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Mesmo com a economia chinesa a abrandar e o seu governo a reincidir nas reformas, o presidente Xi Jinping está a esforçar-se para retratar o seu país como uma potência global preparada para assumir um papel internacional mais amplo. Está a provar ser uma tarefa difícil.


Os esforços de Xi para impulsionar a influência internacional da China não estão em dúvida. As suas reuniões com os líderes asiáticos em Manila, em Novembro, completaram um ano de viagens de alto nível, nas quais tem elogiado a China - que tem proporcionado milhares de milhões de dólares em assistência internacional e investimentos em todo o mundo nos últimos anos - como benfeitor líder global. No Médio Oriente, as empresas chinesas estão a construir um metro na capital do Irão e uma linha ferroviária de alta velocidade na Arábia Saudita. Em Junho, o Egipto entrou num acordo com a China para 15 projectos avaliados em cerca de 10 mil milhões de dólares. Na América Latina, os responsáveis chineses estimam 250 mil milhões de dólares em novos acordos de infra-estruturas.

A iniciativa de maior alcance da China é a "one belt, one road", que pretende recriar a antiguidade marítima e terrestre de Silk Road, ligando a China ao resto da Ásia, Médio Oriente e Europa. O Fundo de Silk Road de 40 mil milhões de dólares e o do Banco de Investimento Asiático de Infra-Estrutura (AIIB, na sigla anglo-saxónica) de 50 mil milhões de dólares, lançado no ano passado, prometem financiar grande parte da construção, com o AIIB a ser visto por muitos como um desafio para o Banco Mundial.

Na reunião de Setembro das Nações Unidas, depois de ter prometido acrescentar 10 mil milhões de dólares até 2030 àquele que começou com um fundo de investimento de dois mil milhões de dólares para os países menos desenvolvidos, Xi reiterou a visão da China de que está agora a par com os Estados Unidos no que diz respeito ao apoio internacional e ao investimento. De facto, ao enfatizar que a China colocaria a "justiça antes dos interesses", Xi pode mesmo ter tentado elevar a moral.

Ainda assim, os beneficiários mais favorecidos da China continuam em dúvida sobre o seu modelo e motivos, sobretudo porque a ajuda da China permanece principalmente uma proposta de negócio. De acordo com um estudo de 2013 da RAND Corporation, mais de 80% da ajuda chinesa e do financiamento oficial cobre a extracção de matérias-primas e a construção de estradas, pontes e portos necessários para transportar estes recursos para a China.

Os termos da ajuda chinesa também diferem consideravelmente das doações tradicionais. A assistência dos Estados Unidos, Europa e Japão chega sobretudo na forma de subsídios; pelo contrário, dois terços da ajuda chinesa é emitida na forma de empréstimos para financiar os projectos e o material, com os bancos de exportação-importação e de desenvolvimento e as empresas detidas pelo Estado a proporcionarem a fatia de leão dos fundos. Mais de metade destes empréstimos estão também "atados", o que significa que devem ser usados para aquisição de empresas chinesas.

Como reportado num paper de 2014 na China sobre ajuda internacional, os empréstimos com condições preferenciais (financiamento com taxas de juro subsidiadas) quase duplicaram de 2010 a 2012 - um período em que os créditos sem taxa de juro, que representam cerca de 8% da ajuda internacional total, diminuíram - e agora representam 56% do programa de ajuda da China. Em suma, enquanto o discurso de Xi nas Nações Unidas em Setembro sublinhou a amortização de novos créditos e os fundos adicionais para educação e cuidados de saúde para os países mais pobres do mundo, a ajuda chinesa continua a não ser uma pechincha - e vem cheia de cordas.

Para Xi, a questão é se este tipo de ajuda ainda pode render os retornos políticos que procura. De acordo com um estudo recente da AidData, um projecto de pesquisa americano, o desenvolvimento da assistência não aumenta sempre a influência. Três centenas de altos funcionários em 126 países deram aos representantes chineses notas baixas na "agenda da definição de influência". E colocaram a qualidade dos pareceres do desenvolvimento chinês perto do fundo da lista, rejeitando implicitamente as lições do modelo económico estatístico da China.

O abrandamento económico chinês deverá exacerbar as percepções negativas sobre a sua assistência. Ao analisar uma década da China como doadora, o estudo da RAND concluiu que a ajuda chinesa fica aquém das promessas por uma margem considerável. No Paquistão e Indonésia, por exemplo, a China tem feito o bem em menos de 10% das suas promessas de muitos milhões de dólares. Embora os atrasos sejam típicos no projecto de ajuda, no caso da China o abrandamento do crescimento económico pode prolongá-los ou piorá-los. Acima de tudo, os projectos estão focados sobretudo em obter recursos do mercado chinês, sujeitando-os ao apetite em mudança por matérias-primas do país.

Do mesmo modo, a China está longe de ser encontrada nas crises humanitárias de hoje, levantando dúvidas sobre se Xi deseja de facto assumir as responsabilidades que acompanham a posição que reclama para o seu país. De facto, a China enfrenta há muito as críticas pela magra provisão da sua ajuda humanitária.

A Síria é o exemplo mais recente. Nos passados meses de Outubro e Dezembro, a China anunciou pacotes adicionais de 16 milhões de dólares e 6 milhões de dólares, respectivamente, em assistência humanitária para os refugiados sírios, elevando a ajuda total para cerca de 60 milhões de dólares. Enquanto isso, os Estados Unidos, depois de terem elevado a sua contribuição total para a assistência dos refugiados sírios para 3,7 mil milhões de dólares no passado mês de Março, proporcionaram um pacote adicional de 508 milhões de dólares. As novas promessas da União Europeia e dos seus Estados-membros totalizaram 1,2 mil milhões de dólares, elevando a contribuição europeia total para 4,5 mil milhões de dólares.

De facto, a ajuda externa é apenas uma ferramenta para sublinhar o papel internacional e o estado da China. Mas Xi deixou claro nas Nações Unidas que é uma prioridade, declarando que a China está preparada para partilhar a sua experiência de desenvolvimento com outros países, proporcionando-lhes novas oportunidades e "dando as boas-vindas ao comboio expresso estrangeiro de desenvolvimento da China". Infelizmente para a China, a natureza da estratégia da ajuda externa de Xi garante atrasos severos a quaisquer retornos políticos.

 

Kent Harrington, antigo analista sénior da CIA, foi responsável dos serviços secretos para o Leste asiático, director de departamento na Ásia e director de Relações Públicas da CIA. 

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Raquel Godinho 

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