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22 de Junho de 2016 às 20:30

A estratégia de crescimento incompleta da China

O investimento em infraestrutura é urgentemente necessário, não apenas para evitar que a economia caia ainda mais, mas também para permitir que a China gere o crescimento sustentado de longo prazo de que precisa para alcançar o estatuto de país desenvolvido.

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O crescimento económico da China tem vindo a abrandar nos últimos seis anos - muito mais tempo do que o esperado. Ansiosos para travar a queda, o governo chinês e os economistas têm procurado desesperadamente uma explicação clara de forma a implementar uma resposta política eficaz. E, em Novembro passado, colocaram oficialmente a culpa em deficiências do lado da oferta, que se comprometeram a resolver com as reformas estruturais de longo alcance.

 

Ainda que as autoridades chinesas devam ser aplaudidas pelo seu compromisso com a implementação dolorosa - e tão necessária – de reformas estruturais, o foco no lado da oferta ignora em grande medida o presente. A China enfrenta dois desafios distintos: a questão de longo prazo de uma taxa de crescimento potencial em declínio e o problema imediato de crescimento real abaixo do potencial.

 

Entre os factores de longo prazo que minam o crescimento potencial estão os rendimentos decrescentes à escala, o crescimento da diferença de rendimentos e o estreitamento do campo para a evolução tecnológica através da imitação. Além disso, mesmo que o dividendo demográfico do país se dissolva, a sua capacidade de suporte (o tamanho da população que o meio ambiente pode sustentar) está a esgotar-se - uma situação que não está a ser facilitada pelos elevados níveis de poluição. E mais importante ainda, o país não está a fazer progressos suficientes na reforma orientada para o mercado.

 

Embora alguns destes factores sejam irreversíveis, outros podem ser resolvidos de forma eficaz. E, de facto, a estratégia de reforma do lado da oferta do governo implicará um avanço importante neste sentido, estabilizando e até aumentando o potencial de crescimento da China. Mas, ao contrário do que muitos pensam, não impulsionará a taxa de crescimento real da China hoje.  

 

Porque é que tantos economistas estão convencidos de que uma estratégia de reforma a longo prazo é tudo o que a China precisa? Uma das razões é a noção generalizada de que o excesso de capacidade de hoje reflecte problemas do lado da oferta, e não falta de procura. De acordo com este ponto de vista, a China deve implementar políticas como a descida dos impostos para incentivar as empresas a produzirem produtos para os quais existe procura. Dessa forma, o governo não sustentaria inadvertidamente "empresas zombies" que não conseguem sobreviver sem empréstimos bancários e apoio dos governos locais.

 

Mas só uma parte do excesso de capacidade da China pode ser atribuída às más decisões de investimento. Uma grande parte surgiu devido à falta de procura efectiva. E isso é, pelo menos em parte, o resultado do esforço do governo para moderar o investimento imobiliário, que levou o crescimento anual do sector a afundar de 38%, em 2010, para 1%, no final de 2015.

 

Com o investimento imobiliário a representar ainda mais de 14% do PIB no ano passado, o abrandamento do crescimento do sector tem colocado uma pressão considerável sobre a economia como um todo, ajudando a empurrar a China para uma espiral de dívida-deflação. Como o excesso de capacidade pressiona o índice de preços no produtor - que está a cair há 51 meses consecutivos – a dívida real sobe. Isto está a minar a rentabilidade das empresas, levando-as a desalavancar e a reduzir o investimento, e a alimentar novas quedas dos preços no produtor.

A importância duradoura do investimento imobiliário para o crescimento económico da China está reflectida nas tendências do primeiro trimestre deste ano. O crescimento anual do PIB de 6,7% - apesar de ser o ritmo mais lento dos últimos sete anos - excedeu as expectativas do mercado. E foi impulsionado, em parte, por um aumento imprevisto do crescimento do investimento imobiliário, para 6%.

 

Isto não quer dizer que o que a China precisa é de mais investimento imobiliário. De acordo com o gabinete nacional de estatísticas, a China tinha 718 milhões de metros quadrados de espaço comercial e residencial por vender no final de 2015; contabilizando o espaço em construção, o inventário cresce para mais de cinco mil milhões de metros quadrados. Com uma média de apenas 1,2 mil milhões de metros quadrados de habitação vendidos a cada ano, a melhor maneira de reduzir este excesso de oferta é clara: limitar as construções futuras. Uma das razões mais importantes para o recente aumento do investimento foi a abundante liquidez que impulsionou a procura especulativa - que dificilmente é sustentável.

 

Mas nem todo o investimento é criado da mesma forma. O investimento em infraestrutura, em particular, pode muito bem ser a chave para enfrentar os problemas económicos da China. Afinal de contas, esse investimento, que cresceu a um ritmo de 19,6% no primeiro trimestre de 2016, já provou ser um factor crítico de crescimento económico - e, ao contrário do investimento imobiliário, não piorou a alocação de recursos da China nem preparou terreno para grandes desequilíbrios.

 

Quando a economia está estagnada, a única maneira de escapar da armadilha da dívida-deflação é crescer fortemente. Dado que a China está a braços com grandes dívidas dos governos locais e das empresas, mas que também beneficia de grandes poupanças internas e uma posição orçamental forte, esta mensagem não poderia ser mais pertinente. Num mundo ideal, o consumo interno serviria como principal motor do crescimento; nas actuais circunstâncias, o investimento em infraestrutura é a opção mais confiável.

 

No curto prazo, quando o excesso de capacidade e a deflação são os principais obstáculos, o investimento em infraestrutura estimula o crescimento pelo lado da procura. No longo prazo, opera através do lado da oferta para aumentar a produtividade e, assim, aumentar o potencial de crescimento. A China pode financiar esses investimentos com défices orçamentais, dada a forte procura por títulos do governo. E, com os principais bancos da China ainda nas mãos do Estado, e controlos de capital ainda em vigor, o risco de uma crise financeira iminente é muito baixo.

 

Naturalmente, o governo da China deve manter o seu compromisso de implementar reformas estruturais. Mas o investimento em infraestrutura também é urgentemente necessário, não apenas para evitar que a economia caia ainda mais, mas também para permitir que a China gere o crescimento sustentado de longo prazo de que precisa para alcançar o estatuto de país desenvolvido.

 

Yu Yongding, antigo presidente da China Society of World Economics e director do Instituto de Economia e Política Mundial na Academia Chinesa de Ciências Sociais, pertenceu ao Comité de Política Monetária do Banco Popular da China entre 2004 a 2006.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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