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21 de Fevereiro de 2017 às 20:00

O Brexit num corajoso mundo novo

Com o sistema de comércio mundial a tornar-se menos aberto, todos perderiam, mas não da mesma forma. Os EUA, a China e a UE (partindo do princípio de que sobrevive) ficariam muito melhor do que economias mais pequenas, como o Reino Unido.

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Quando se trata de comércio bilateral, os ganhos e as perdas são distribuídos assimetricamente entre a economia maior e a economia mais pequena. Em alturas favoráveis, isso seria uma má notícia para o Reino Unido na medida em que procura novos acordos comerciais com a União Europeia e outros parceiros. Mas estes não são tempos favoráveis.

 

A teoria económica prevê que implementar novas barreiras comerciais prejudica ambos os lados. Mas os princípios económicos também sugerem que a economia maior provavelmente perderá menos.

 

No caso de uma tarifa, por exemplo, uma procura menor da economia maior tenderá a baixar os preços dos bens que importa. A economia mais pequena, por outro lado, não deverá ter um impacto suficiente sobre a procura global dos bens que importa e, portanto, sobre os seus preços.

 

A vantagem da economia maior é ainda mais expressiva quando se trata de barreiras não-tarifárias, que muitas vezes resultam de diferenças nas regulamentações e padrões entre países que fazem trocas comerciais. Na maioria dos casos, o país mais pequeno deve simplesmente aceitar as regras do maior.

 

Dado isto, os defensores do Brexit estão errados ao afirmar que o Reino Unido, enquanto importador líquido, estará numa posição forte nas negociações comerciais com a UE. O que importa é o tamanho relativo, e não os fluxos comerciais líquidos.

 

Vários estudos confirmam isto, concluindo que o Reino Unido vai suportar a maior parte dos custos do Brexit. Se o Reino Unido e a União Europeia acordarem uma nova relação comercial baseada nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), dizem os estudos, o Reino Unido vai perder cerca de 110 mil milhões de euros, enquanto a União Europeia perde apenas cerca de 50 mil milhões. Dado que a economia da UE é cerca de cinco vezes maior do que a do Reino Unido, isto significa que a perda para o Reino Unido, em percentagem do PIB, seria cerca de dez vezes superior.

 

Se não for alcançado nenhum acordo, surgirá o mesmo desequilíbrio, mas os custos para o Reino Unido serão ainda maiores - uma realidade que a primeira-ministra britânica Theresa May se recusa a reconhecer, declarando que o Reino Unido se vai afastar de negociações que não lhe sejam favoráveis. Não obstante a retórica política, um "mau acordo" é melhor para o Reino Unido do que nenhum acordo.

 

Mas as conversações com a UE são apenas o início. O Reino Unido também terá de negociar acordos comerciais com outros parceiros, incluindo as duas maiores economias do mundo: Estados Unidos e China.

 

À primeira vista, as negociações com os EUA podem não parecer motivo de preocupação. Afinal, o presidente Donald Trump indicou que o Reino Unido estaria na "linha da frente" para um acordo comercial com os EUA. Além disso, elogiou o Brexit, incentivando mesmo outros Estados-membros da UE a seguir o exemplo do Reino Unido e a deixar o bloco.

Mas Trump também se comprometeu a colocar "a América primeiro" em todos os acordos que fizer e medidas que tomar, especialmente no que se refere ao comércio. Isso levanta dúvidas sobre se Trump estará disposto a abrir os mercados dos EUA nas poucas áreas onde o Reino Unido ainda pode competir, como as indústrias aeroespacial e automóvel. Mesmo que o faça, não o deverá fazer de graça. No mínimo, o Reino Unido terá de aderir às normas e regulamentos dos EUA.

 

May sabe que para obter um acordo decente com Trump, tem de jogar o seu jogo. Assim, quando Trump assinou uma ordem executiva para impedir a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e fechar a porta aos refugiados da Síria, May evitou declarações fortes. Em contrapartida, os seus homólogos europeus, confiantes na dimensão e na força da UE como bloco comercial, não tiveram problemas em condenar a decisão.

 

Isto destaca um desafio que os defensores do Brexit não anteciparam. Eles esperavam que o Brexit ocorresse num cenário que teria como pano de fundo o sistema de comércio multilateral baseado em regras. Com quadros de comércio global como a OMC em vigor, parecia que mesmo o pior cenário para o Reino Unido não era tão mau, e, por isso, que as consequências de sair da UE seriam menores.

 

Mas o mundo mudou consideravelmente desde então. A ascensão de Trump ao poder foi alimentada por promessas de libertar o país dos grilhões da OMC – na verdade, de todas as organizações internacionais - e de tomar decisões unilaterais baseadas nos próprios interesses da América. Mesmo as negociações comerciais com a UE parecem demasiado multilaterais para alguns dos correligionários de Trump, porque envolvem 27 países membros.

 

Sem os EUA a bordo, o sistema internacional baseado em regras seria muito menos seguro – até porque outros poderiam seguir o exemplo de Trump, preferindo acordos bilaterais do que a cooperação multilateral. Com o sistema de comércio mundial a tornar-se menos aberto, todos perderiam, mas não da mesma forma. Os EUA, a China e a UE (partindo do princípio de que sobrevive) ficariam muito melhor do que economias mais pequenas, como o Reino Unido.

 

Resta saber se os EUA, com a sua força económica, conseguem arcar com a abordagem proteccionista de Trump. Mas parece claro que o Reino Unido vai ter custos pesados durante o processo do Brexit. Se mais países seguirem Trump e o sistema global baseado em regras continuar a deteriorar-se, esses custos só vão crescer.

 

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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