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18 de Julho de 2008 às 14:00

Uma medida transparente

Com as férias à porta, não devo ser a única que num intervalo para almoço dá uma espreitadela na net em busca do mais barato bilhete de avião. A minha estratégia de busca é também partilhada por muitos. Ou seja, selecciono um desses sites que colocam lado a lado os preços praticados por diversas companhias aéreas, e, sem muito tempo para grandes pesquisas, reservo na companhia que apresenta o preço mais atractivo.

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Alguns meses atrás, não era raro ser surpreendida pelo montante das tarifas, impostos, encargos e sobretaxas e taxas a adicionar no acto de reserva. Dada a escassez de tempo, comprava o bilhete sem comparar os preços finais de companhias concorrentes.

Para que os compradores tomem conhecimento, desde início, dos preços reais a pagar e, de uma forma rápida, possam compará-los com os de outras empresas, fomentando a livre concorrência, o Parlamento Europeu aprovou definitivamente o novo regulamento dos serviços aéreos, que inclui a obrigação das transportadoras em publicitarem o preço igual ao preço a pagar no final do processo de reserva.

Alguns economistas acreditam na dispensabilidade desta medida. Carl Shapiro argumenta que as empresas num mercado competitivo podem informar e educar os clientes de empresas cuja política de preços não é transparente atraindo para si estes clientes. Também Paul Milgrom mostra que quando os custos de busca são baixos, os consumidores podem facilmente aferir que "preços escondidos" sinalizam preços altos. Em ambos os casos, a transparência é uma estratégia óptima.

No entanto, a existência de consumidores naïves, que desconhecem que as taxas são específicas a cada empresa, torna uma política de preços não transparente imune a pressões competitivas. As empresas e os consumidores diferem na sua capacidade de compreender o mercado no qual interagem. A luta pela sobrevivência num mercado concorrencial faz com que as empresas analisem o mercado de uma forma mais vigorosa do que os consumidores, que só intermitentemente interagem com estas. Assim, as empresas têm incentivos para explorar a falta de informação e enviesamentos dos consumidores. Por exemplo, para compensar a intensificação da concorrência que os motores de busca proporcionam, as empresas que operam on-line criam versões múltiplas de produtos, que visam complicar a percepção dos consumidores sobre a qualidade dos produtos e sobre quais produtos comparar.

A literatura mais recente tem em consideração a existência de uma proporção de consumidores naïves e aponta para a sustentabilidade de estratégias de ofuscação de preços. O modelo de Luke Garrod, é disso exemplo. Este modelo permite analisar a eficácia da medida de regulação pela UE. Ora, vejamos as alternativas. Por um lado, o regulador poderia alertar os consumidores para as estratégias de ofuscação, aumentando o número de compradores mais elucidados. A eficácia desta medida depende do número de consumidores naïves no mercado. Se o número for elevado, diminui-lo pode levar as empresas a fixarem uma estratégia de preços transparente e a competirem por consumidores naïves, reduzindo preços. No entanto, não é certo que os preços baixem se o aumento do número de consumidores elucidados eliminar a competição por consumidores naïves. Uma segunda intervenção possível, seria a redução dos custos de busca e de selecção da companhia aérea. Também com esta estratégia não é certo que a concorrência aumente, sendo possível que todas as empresas fixem preços não transparentes e cobrem preços finais mais altos. A existência de motores de busca conduziu, precisamente, a esta situação.

A regulação imposta parece ser a mais eficaz. A transparência completa de preços torna a existência de consumidores naïves irrelevante, esperando-se assim que as forças competitivas reduzam preços. No entanto, o regulador tem de estar atento. A transparência de preços facilita certamente acordos tácitos de conluio. E se me satisfaz pagar o preço mais barato disponível, satisfaz-me muito mais não comprar um bilhete mais caro.

Garrod, L. (2008). Price transparency and consumer naivety in a competitive market. Working paper. ERSC Centre for competition policy, University of East Anglia.
Milgrom, P (1981). Good news and bad news. Representation theorems and applications. Bell Journal of Economics, 12, 380-391.
Shapiro, C. (1995). Aftermarkets and consumer welfare. Making sense of Kodak. Antitrust Law Journal, 63, 483-511

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