Opinião
Uma colisão política anunciada
Visto que a "imensa sorte" que Gaspar pediu há um ano atrás não se concretizou, resta à troika, à Europa e à Sra. Merkel considerar se vale a pena insistir no plano inicial, ou esperar pela colisão política à la grecque que se anuncia.
À chegada ao Palácio da Ajuda, onde tomou posse como ministro das Finanças em 21 Junho de 2011, Vítor Gaspar afirmou: "Vou precisar de imensa sorte". Foi uma observação um pouco cândida, mas nem por isso menos verdadeira. E ainda houve um tempo na vida deste Governo em que a sua estrelinha pareceu brilhar, ainda que timidamente.
Por um lado porque, não sendo político profissional, se conseguiu afirmar como figura central do executivo. Entre o desgaste de Passos por ir dando cobertura a Santos Pereira e sobretudo a Relvas, e a ausência (estudada) de Portas, a trajectória do Governo foi sendo definida por Vítor Gaspar. Depois porque houve desenvolvimentos económicos positivos no último ano que, não dependendo dele, o favoreceram. Nomeadamente, a acalmia dos mercados em relação às taxas de juro da dívida pública portuguesa, ou os dados sobre o aumento das exportações.
Mas este Verão a sorte de Gaspar esfumou-se. Houve dois momentos chave nessa mudança. Um foi o chumbo do Tribunal Constitucional à eliminação dos subsídios de Natal e férias aos funcionários públicos. A par deste travão político ao plano de redução do défice, já de si extremamente difícil de concretizar, tivemos também, e mais recentemente, os números da derrapagem na execução orçamental. Segundo o Negócios (27.08.2012), para manter os objectivos do défice para 2013 será preciso que o Governo encontre sete mil milhões de euros. Posto isto, resta dizer que a trajectória do Governo, tal qual definida por Vítor Gaspar no Verão de 2011 está invalidada. E a queda de Gaspar não é compensada com um Passos forte, enredado como está na enésima peripécia Relvas.
As consequências do ponto de vista político não se têm feito esperar, dentro do Governo e na oposição. O sentido é claro, as manifestações múltiplas: traduzem-se numa fragilização do Executivo, numa polarização crescente entre partidos de Governo e PS, e na quebra do consenso político conseguido anteriormente e que havia sido amplamente elogiado.
No Governo, um partido que não se tinha visto nem ouvido a reclamar com nada que Gaspar tinha proposto até agora, o CDS-PP, aparece com inúmeras contestações à política do Executivo, sendo que a mais importante é a recusa de mais austeridade. Mesmo no PSD, há vozes dissonantes, como Rui Rio ou António Capucho, a falar cada vez mais alto.
À esquerda, o PS parece estar-se a preparar para, pela primeira vez desde a democratização, demarcar-se de uma linha claramente europeísta. Como o chumbo do Tribunal Constitucional se ficou a dever ao pedido de verificação de constitucionalidade, colocado também por alguns elementos mais à esquerda da bancada do PS, a posição de Seguro dentro do partido ficou fragilizada. O endurecimento do discurso do líder do PS ao longo do Verão não se fez esperar, mas também não se livra de uma percepção nítida de que anda a reboque do Bloco de Esquerda, um partido que nas últimas eleições perdeu metade do seu eleitorado. Mesmo sem razão nas urnas, o Bloco está inchado. O centro político esvazia, os pólos tendem a crescer de importância.
O que mais impressiona nesta dinâmica política, é a forma como ela parece cada vez mais inevitável, e irreversível. Entre instituições políticas nacionais e supranacionais, não há quem consiga ter alguma capacidade de distanciamento e autonomia em relação ao previsível endurecimento do jogo político que se avizinha em Portugal e que não trará nenhuns frutos ao País. Serão os extremos que irão beneficiar da reorientação da competição política tal qual ocorreu na Grécia. E sabemos que os extremos em Portugal, sobretudo à esquerda, nunca tiveram uma agenda credível de políticas públicas. Visto que a "imensa sorte" que Gaspar pediu há um ano não se concretizou, resta à troika, à Europa e à Sra. Merkel considerar se vale a pena insistir no plano inicial, ou esperar pela colisão política à la grecque que se anuncia.
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
Por um lado porque, não sendo político profissional, se conseguiu afirmar como figura central do executivo. Entre o desgaste de Passos por ir dando cobertura a Santos Pereira e sobretudo a Relvas, e a ausência (estudada) de Portas, a trajectória do Governo foi sendo definida por Vítor Gaspar. Depois porque houve desenvolvimentos económicos positivos no último ano que, não dependendo dele, o favoreceram. Nomeadamente, a acalmia dos mercados em relação às taxas de juro da dívida pública portuguesa, ou os dados sobre o aumento das exportações.
As consequências do ponto de vista político não se têm feito esperar, dentro do Governo e na oposição. O sentido é claro, as manifestações múltiplas: traduzem-se numa fragilização do Executivo, numa polarização crescente entre partidos de Governo e PS, e na quebra do consenso político conseguido anteriormente e que havia sido amplamente elogiado.
No Governo, um partido que não se tinha visto nem ouvido a reclamar com nada que Gaspar tinha proposto até agora, o CDS-PP, aparece com inúmeras contestações à política do Executivo, sendo que a mais importante é a recusa de mais austeridade. Mesmo no PSD, há vozes dissonantes, como Rui Rio ou António Capucho, a falar cada vez mais alto.
À esquerda, o PS parece estar-se a preparar para, pela primeira vez desde a democratização, demarcar-se de uma linha claramente europeísta. Como o chumbo do Tribunal Constitucional se ficou a dever ao pedido de verificação de constitucionalidade, colocado também por alguns elementos mais à esquerda da bancada do PS, a posição de Seguro dentro do partido ficou fragilizada. O endurecimento do discurso do líder do PS ao longo do Verão não se fez esperar, mas também não se livra de uma percepção nítida de que anda a reboque do Bloco de Esquerda, um partido que nas últimas eleições perdeu metade do seu eleitorado. Mesmo sem razão nas urnas, o Bloco está inchado. O centro político esvazia, os pólos tendem a crescer de importância.
O que mais impressiona nesta dinâmica política, é a forma como ela parece cada vez mais inevitável, e irreversível. Entre instituições políticas nacionais e supranacionais, não há quem consiga ter alguma capacidade de distanciamento e autonomia em relação ao previsível endurecimento do jogo político que se avizinha em Portugal e que não trará nenhuns frutos ao País. Serão os extremos que irão beneficiar da reorientação da competição política tal qual ocorreu na Grécia. E sabemos que os extremos em Portugal, sobretudo à esquerda, nunca tiveram uma agenda credível de políticas públicas. Visto que a "imensa sorte" que Gaspar pediu há um ano não se concretizou, resta à troika, à Europa e à Sra. Merkel considerar se vale a pena insistir no plano inicial, ou esperar pela colisão política à la grecque que se anuncia.
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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